31.7.08

Luiza Neto Jorge




As casas vieram de noite

As casas vieram de noite
De manhã são casas
À noite estendem os braços para o alto
fumegam vão partir

Fecham os olhos
percorrem grandes distâncias
como nuvens ou navios

As casas fluem de noite
sob a maré dos rios

São altamente mais dóceis
que as crianças
Dentro do estuque se fecham
pensativas

Tentam falar bem claro
no silêncio
com sua voz de telhas inclinadas

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A cabeça em ambulância

Há feridas cíclicas há violentos vôos
dentro de câmaras de ar curvas
feridas que se pensam de noite
e rebentam pela manhã

ou que de noite se abrem
e pela manhã são pensadas
com todos os pensamentos
que os órgãos são hábeis
em inventar como pensos

ligaduras capacetes
sacramentos
com que se prende a cabeça
quando ela se nos afasta

quando ela nos pressente
em síncope ou desnudamento
ou num erro mais espaçoso
ou numa letra mais muda
ou na sala de tortura
na sala escura, de infância.

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Encantatória

Custa é saber
como se invoca o ser
que assiste à escrita,
como se afina a má-
quina que a dita,
como no cárcere
nu se evita,
emparedado, a lá-
grima soltar.

Custa é saber
como se emenda a morte,
ou se a desvia,
como a tecla certa arreda
do branco suporte
a porcaria.


Luiza Neto Jorge

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imagem: Kitasono Katue
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