30.7.09

Wislawa Szymborska




Alguns gostam de poesia


Alguns —
quer dizer nem todos.
Nem a maioria de todos, mas a minoria.
Excluindo escolas, onde se deve
e os próprios poetas,
serão talvez dois em mil.


Gostam —
mas também se gosta de canja de massa,
gosta-se da lisonja e da cor azul,
gosta-se de um velho cachecol,
gosta-se de levar a sua avante,
gosta-se de fazer festas a um cão.


De poesia —
mas o que é a poesia?
Algumas respostas vagas
já foram dadas,
mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro
como a um corrimão providencial.

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28.7.09

Kaváfis




Terá, quando muito, vinte e dois anos.
E no entanto estou certo de que, há quase tantos
anos passados, esse mesmo corpo eu desfrutei.

Não é, de modo algum, uma ilusão erótica.
E somente há pouco foi que entrei no cassino,
nem tive tempo de beber demais.
O mesmo corpo eu desfrutei.
Se não me lembro onde - não quer dizer que seja
esquecimento.

Ah, agora sim, que se sentou ali, na mesa ao lado,
reconheço cada movimento seu - e, para além das roupas,
eu os revejo, nus, os membros tão amados.



Kaváfis, "A mesa ao lado". Imagem: Martin Fuchs.
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25.7.09

Blas de Otero




LO FATAL

Entre enfermedades y catástrofes
entre torres turbias y sangre entre los labios
así te veo así te encuentro
mi pequeña paloma desguarnecida
entre embarcaciones con los párpados entornados
entre nieve y relámpago
con tus brazos de muñeca y tus muslos de maleza
entre diputaciones y farmacias
irradiando besos de la frente
con tu pequeña voz envuelta en un pañuelo
con tu vientre de hostia transparente
entre esquinas y anuncios depresivos
entre obispos
con tus rodillas de amapola pálida
así te encuentro y te reconozco
entre todas las catástrofes y escuelas
asiéndome el borde del alma con tus dedos de humo
acompañando mis desastres incorruptibles
paloma desguarnecida
juventud cabalgando entre las ramas
entre embarcaciones y muelles desolados
última juventud del mundo
telegrama planchado por la aurora
por los siglos de los siglos
así te veo así te encuentro
y pierdo cada noche caída entre alambradas
irradiando aviones en el radar de tu corazón
campana azul del cielo
desolación del atardecer
así cedes el paso a las muchedumbres
única como una estrella entre cristales
entre enfermedades y catástrofes
así te encuentro en mitad de la muerte
vestida de violeta y pájaro entrevisto
con tu distraído pie
descendiendo las gradas de mis versos.

-

21.7.09

Laboratório de criação literária



Nossa proposta de trabalho tem como foco principal transformações químicas da estrutura do a-Bisabolol com finalidade de potencializar e/ou expandir suas atividades biológicas e aplicações na indústria do texto literário. O α-Bisabolol também conhecido como levomenol é um óleo viscoso incolor de aroma agradável, odor floral e baixa toxicidade (LD50 em animais=13-14 g/kg). É praticamente insolúvel em água e glicerina, e solúvel em etanol. Ocorre na natureza nas formas enantioméricas (+) e (-), sendo o enantiomêro (-) o de maior abundância. (-)-a-Bisabolol é um composto natural com estrutura de um álcool sesquiterpênico monocíclico, no Brasil é extraído da madeira da candeia. O óleo de candeia tem aproximadamente 85% de α-Bisabolol, portanto uma concentração elevada para produto natural. Destilando-se o óleo de candeia obtém α-Bisabolol com pureza mínima de 95%. O interesse no α-Bisabolol se deve a suas atividades biológicas comprovadas, bem como a sua disponibilidade e facilidade de extração. Em função da sua baixa toxicidade e de suas propriedades conhecidas como anti-irritante, anti-inflamatório, protetor gástrico, analgésica, antibiótica e antimicrobiana, é muito usado em cosméticos como loção pós-barba, loções para o corpo, desodorantes, batons, protetores solares, cremes para as mãos entre outros. Recentes estudos indicam que o a-Bisabolol é um inibidor para o glioma (tumor maligno) em ratos e humanos. Estudos do (-)-a-Bisabolol como fungicida o indicaram como o fungicida do futuro. Provavelmente devido às dificuldades de trabalhar com a estrutura química deste composto, a literatura consultada é muito pobre sobre modificações do (-)-a-Bisabolol. A reação proposta deve ocorrer nas duas duplas ligações do (-)-a-Bisabolol formando assim o diclorocarbeno. A idéia de modificá-la desta forma se baseia no fato de obtermos um produto mais reativo que nosso reagente de partida. Para essa etapa do trabalho reagiu-se 4,4 mmol de Bisabolol, 0,044 mmol de N-Cetil-N,N,N-Trimetil Amônio e 27 mmol de clorofórmio, a mistura foi homogeneizada por 10 minutos sob vigorosa agitação. Então foi adicionado, gota a gota, 44,4 mmol de solução de hidróxido de sódio a 50%, concluída a adição a reação foi aquecida a 50°C, e mantida sob agitação por mais duas horas. Terminado esse tempo, a temperatura foi reduzia à temperatura ambiente e adicionou-se 50mL de solução de ácido sulfúrico a 10% a fim de tornar o meio ácido. A extração é realizada com 50mL de diclorometano. A camada orgânica foi lavada com água e seca com sulfato de sódio anidro. O solvente foi evaporado, sob vácuo, em evaporador rotativo. A reação foi monitorada por CCF utilizando cromatoplacas de sílica sobre alumínio, foi possível ver o desaparecimento do (-)-α -Bisabolol quando revelado em vapor de iodo e em solução reveladora de sulfato cério, usando diclorometano como eluente. Obteve-se rendimento bruto de aproximadamente 99%. O diclorocarbeno purificado foi caracterizado por infravermelho e ressonância magnética nuclear de próton e carbono.

15.7.09

#

chorando no prato do mar
o poeta põe a cabeça no meu ombro
e jura que nunca mais trará
seu caderninho para a praia

escrever lhe dá a ilusão
de que o mundo não existe

é duro ele me ver
fazendo torres de areia com Perrier

#

14.7.09

13.7.09

Conversa com os mortos


Aos doze anos de idade comecei a conversar com os mortos. Não foi tão difícil pois aos cinco eu já conversava com eles em pensamento. Nunca conversei com espíritos. Espíritos são Homero, Melanípedes, Sófocles, Policleto, Zêuxis. Talvez Napoleão. Para ser espírito precisa de tempo. Tempo e inteligência. E inteligência é coisa que demora. Saber ver longe sem depender dos olhos. Então os mortos são burros? Não, seria injustiça. Mortos não são burros. Têm outra inteligência. O morto é todo aquele que precisa aprender a morrer, o que por si só é uma grande qualidade, e um pesado fardo. Já os espíritos nascem sabendo. Todo espírito já nasce morto. E eterno. Por isso simpatizo com os mortos, enquanto a maioria das pessoas, mais pragmáticas, prefere falar com espíritos. Espíritos têm o dom da profecia e sempre tem um vivo com um pires na mão para o além, querendo fazer escambo. Diferente dos espíritos, mortos se permitem falar bobagens, nos importunam nas horas mais inconvenientes, em geral falam coisas que já sabemos ou o que não sabemos pela metade, pedem alguma coisa, se confundem com o inconsciente mas no fundo não passam de almas querendo aplacar a solidão, só isso. Não estão ali para revelar segredos, fazer previsões meteorológicas ou solucionar mistérios do passado. Não sabem a origem da vida nem vão puxá-lo pela mão e apresentá-lo a Deus, que Deus é a sala vip dos espíritos. Por vezes acho que só conversam comigo porque querem um empurrãozinho para voltar-lhes a vida. Quando minha mãe morreu, eu já conversava com os mortos há décadas sem que ela soubesse. Ela mesma nunca apareceu para conversar comigo. Suspeito de que, ao contrário do que dizem as lendas, morto não gosta de conversar com parente. Principalmente se morreu endividado. E quase todo mundo morre deixando um rabo de fora. Sinto sempre a presença deles comigo. Em meus sonhos, quando ando pelas ruas, enquanto trabalho. E se penso na minha morte, não é com os espíritos que me consolo. A eternidade é ilusão, aprendi com A. M. de Toledo, morto em 25 de outubro de 1728.


-

12.7.09

Matsunaga Teitoku




hana yori mo
dango ya arite
kaeru kari


melhor do que flores
é comer bolinhos -
partem os gansos selvagens



Matsunaga Teitoku (1571-1653)-

7.7.09

Rodrigo de Souza Leão (1965-2009)




Fisicamente
a noite
é só um segundo




Eu sou um museu
Tenho uma filha com nome de furacão
Uma mulher com nome de vulcão
Uma farmácia particular
Um corpo pra me distrair
E dois copos de vidro
Um eu quebro
E brindo com o outro
Dentro do meu museu há um zoológico
Há um parque de diversão
Um cidadão jogando paciência
E um cientista se fingindo de importante
Há vários covardes como eu
Alguém bebe leite quente
Palavras se devoram dentro da boca
Há um homem vestido de burro
Um burro vestido de homem
Mandei tudo a merda
Mas um pouco de mim foi junto

*

Sou o melhor que posso
Possuo o melhor que sou

De mim sei não restará nada
Nenhum caroço, nenhuma empada

Às vezes me jogo do sexto andar
Às vezes me jogo do quinto

Mas nunca passo do chão
Do chão onde um fogo extinto

De um mendigo que me acudiu
É aceso toda noite

Toda noite um anjo cai
E um outro abismo cospe labaredas

Talvez o dragão seja hoje
O melhor amigo do fogo

Talvez seja o deus pra quem rogo
O último ateu suicida

*

Tudo ficou dourado. O céu dourado.
O Cristo dourado. A ambulância dourada.
As enfermeiras douradas tocavam-me com suas mãos douradas.
Tudo ficou azul: o bem-te-vi azul, a rosa azul, a caneta bic azul, os trogloditas dos enfermeiros. Tudo ficou amarelo. Foi quando vi Rimbaud tentando se enforcar com a gravata de Maiakovski e não deixei.
Pra que isso Rimbaud? Deixa que detestem a gente. Deixa que joguem a gente num pulgueiro. Deixa que a vida entre agora pelos poros. Não se mate irmão. Se você morrer não sei o que será de mim. Penso em você pensando em mim.
Rimbaud tudo vai ficar da cor que quiser.
Aqui não dá pra ver o mar. Mas você vai sair daqui.
Tudo ficou verde da cor dos olhos de meu irmão e da cor do mar. Do mar. Rimbaud ficou feliz e resolveu não se matar.
Tudo ficou Van Gogh. A luz das coisas foi modificada.
Enfim me deram uns óculos.
Mas com os óculos eu só via as pessoas por dentro.

*

QUÍMICA CEREBRAL

Bom dia Lexotan
Bom dia Prozac
Bom dia Diazepan
Bom dia coquetel
Bom dia amplictil
Bom dia fenergan
Bom dia sossega-leão
Bom dia eletrochoque
Bom dia Piportil
Bom dia Lorax
Bom dia Litium
Bom dia Haldol

Boa noite Rodrigo


*

O poeta é um ladrão
Rouba tão descaradamente
Que chega a dizer que é seu
O poema de outro indigente


*

O meu poema burilado
É como um pum molhado


Ele não fede nem cheira
Gosto de Manuel Bandeira


*

LOBOTOMIA

Na
Caixa
Craniana
Não há nada

Só o nada como artefato

Nada
Um peixe
E suas barbatanas

Homens dão viradas olímpicas
Nadam
E o nada continua ali

Vazio
Entre duas mãos
E o bisturi

*

INTERNO RETORNO

Eu ando em círculos e paro:
às vezes na metade do círculo.

O círculo é só um movimento
e o movimento é uma onda.

O círculo. O movimento. A onda.
São todos tão redondos assim

como quase um ovo que nunca
consegui colombar em pé.

Colombo é um nome cheio e redondo.
Desses que circula em círculos.

Desses que o mar traz para descobrir:
o movimento o Círculo a onda.

Tudo que faço é mesmo circular:
um ponto qualquer no infinito.

Um ponto também é um círculo.
Tudo é círculo, onda e mar.

Apenas alguma sarda que tinha
não era totalmente redonda.

Por que um círculo precisa
de um compasso? A Terra

nua no espaço é onda é mar
é círculo: sou eu no meu cubículo.

*

Todo mundo caga
regras também

*


Às vezes eu penso, mas só às vezes.
Quando alguém morre, eu fico triste porque não sei pra onde esta pessoa, objeto ou coisa vai.
O fato de não ter certeza é que me incomoda.
Quando eu morrer, não fique triste só porque não sabe para onde eu vou.
Fique triste porque gosta de mim e sentirá minha falta. Mesmo sendo você alta voltagem. Sentirei sua falta também. Estarei no cemitério do Caju e lá sediado esperarei as flores que sempre quis lhe dar.

*


. o lince corre das listras vestindo meias coloridas.

--
Os textos de Rodrigo foram retirados do seu Lowcura, um blog para se ler de janeiro a dezembro. Poeta, músico e jornalista, Rodrigo e eu ainda tateávamos uma amizade à distância começada neste ano. Sua poesia espontânea, angustiada e ao mesmo tempo lúdica se espalha pela rede, por seus livros, onde ele permanecerá vivo para sempre.

--

6.7.09

A lição do amigo



S. Paulo 19-VII-28
Carlos Drummond

Pegue na pena e me mande num papel qualquer, imediatamente, a direção exata da sua casa. É pra mandar e não se perder um trabalho de tricô que mandei fazer prá filhinha de você, pela famosa Dona Ana Francisca, da qual você ouvirá falar no Macunaíma. Você não entende dessas coisas porque jamais não se preocupou com artes aplicadas, mas se convença sob minha palavra-de-honra, que a lã trabalhada por Dona Ana Francisca fica uma obra-prima de boniteza e bom-gosto.

Quanto ao caso do Diário da Noite daqui, não sei o que aconselhar você. Aceitar como experiência me parece incontestável que você deve. O jornal é mais ou menos neutro e já pertence ao Chatô. Nessa neutralidade um pouco dúbia talvez seja possível pra você não fazer muitos sacrifícios. Por outro lado quem sabe se o contato com uma cidade de trabalho, no meio nosso dum trabalho cotidianizado e corajoso, você tem coragem pra uma organização e abandona essa solução a que Macunaíma chegou só depois de muito gesto heróico e muita façanha: a de viver o brilho inútil das estrelas do céu. Você caiu num estado de religiosidade extática lamentável. Você está vivendo depressa por demais, Carlos Drummond de Andrade, e assim não serve. Você já chegou na decrepitude final sem ter vivido. A história de você é chocha. Uma precariedade lamentável de gestos esboçados, de vontades incondensadas. A isso no geral os abúlicos inteligentes chamam de "vida interior". Desculpe, mas botei nessa frase uma ironia feroz. Vida interior todos têm. Não é a inação exterior que dá vida interior mais intensa, não.

Pois venha tentar S. Paulo, meu Carlos. Não garanto nada. Não aconselho nada. Venha por você, se tiver coragem. Reflita que você tem uma imundície de responsabilidades que vai assumindo sem organização pra dar conta delas. Tirou uma mulher da casa dos pais, está com uma filha em casa, estudou. São três responsabilidades bem claras e só falo nelas porque não posso me alongar mais. Tome um dia e faça retiro espiritual. Repare que o que você está fazendo, um homem que deseja ter caráter não faz. Venha pois tentar dois meses sozinho. Talvez que uma intimidade mais objetiva com minha felicidade possa organizar você. Hei de achar jeito pra conversarmos bastante. Você aqui não está sozinho. Você entra e sai na minha casa a hora que quer. Se eu estiver trabalhando não deixo o trabalho por causa de você. Você fica mexendo no que quiser. Se quiser dormir durma. Se quiser ir à merda, eu não deixo. Se vier com desconfiança e cerimônias, te dou um bruto dum soco e dois insultos de inhapa. E tenho um coração de ouro, com muita paciência e todos os perdões pra você.

Abraço os três.

Mário


3.7.09




Olhe nos meus olhos e repita comigo:

Seus sintomas vão desaparecer, você vai comer com apetite
e dormir tranquilamente a noite inteira.

Seus sintomas vão desaparecer, você vai comer com apetite
e dormir tranquilamente a noite inteira.

Seus sintomas vão desaparecer, você vai comer com apetite
e dormir tranquilamente a noite inteira.

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