24.12.12

Lêdo Ivo





















O raio


O raio que caiu dividiu o verão.
a cisterna de luz escorria na terra
sob a nuvem purpúrea e o voo do gavião,
e me alcançou em cheio, no meio de mim
como o aroma da flor que se ergue no jardim
para impor a quem passa o domínio do instante.
O sol desmoronado escondeu os seus raios
na doçura da palha espalhada no estábulo.
A serpente agoniza, mudada em coral.
A relva abre caminho no silêncio dos homens
que escalam as montanhas douradas do outono.
Entre os que vão e vêm eu também venho e vou.
Nos tormentos do mundo fui multiplicado
e de tanto existir já não sei mais quem sou.




15.12.12

Vasko Popa






A caixinha

A caixinha ganha seu primeiro dentinho
E crescem sua pequena altura
sua pequena largura seu pequeno vazio
E todo o resto que ela tem

A caixinha continua crescendo
E o armário que a continha
Agora está dentro dela

E ela cresce mais e mais e mais
Até conter a casa a cidade a terra
E o mundo onde antes estava

A caixinha lembra de sua infância
E pela força da saudade
Torna-se caixinha outra vez

Agora tens na caixinha
O mundo inteiro em miniatura
Podes levá-lo no bolso
Roubá-lo facilmente perdê-lo

Cuida bem da caixinha




O número esquecido

Era uma vez um número
Puro e redondo como o sol
Mas sozinho muito sozinho

E começou a calcular consigo

Ele se dividia se multiplicava
Se subtraía se somava
E sempre acabava sozinho

Deixou de calcular
E se fechou em sua redonda
E ensolarada pureza

Lá fora ficaram ardendo
Os traços de seus cálculos

Que começaram a se perseguir na escuridão
A se dividir em vez de multiplicar
A se subtrair em vez de somar

Como acontece na escuridão

E não havia ninguém a pedir
Que os traços parassem
Ninguém que os apagasse




Últimas notícias sobre a caixinha

A caixinha que contém o mundo
Caiu de amores por si mesma
E concebeu
Outra caixinha

A caixinha da caixinha
Também apaixonou-se por si
E concebeu
Mais uma caixinha

E assim foi sem parar

O mundo da caixinha
Devia estar dentro
Do último rebento da caixinha

Mas nenhuma das caixinhas
Dentro da caixinha que se amava
É a última

Vamos ver se descobres o mundo agora



(Tradução MP)


14.12.12

Elizabeth Cotten - a lenda



Freight train, freight train, run so fast
Freight train, freight train, run so fast
Please don't tell what train I'm on
They won't know what route I'm going

When I'm dead and in my grave
No more good times here I crave
Place the stones at my head and feet
And tell them all I've gone to sleep

When I die, Lord bury me deep
Down at the end of old Chestnut Street
Then I can hear old Number Nine
As she comes rolling by

Freight train, freight train, run so fast
Freight train, freight train, run so fast
Please don't tell what train I'm on
They won't know what route I'm going





Mama, nobody's here but the baby

12.12.12

Lenda do repolho consagrado
























Diz a lenda que uma mulher de um convento de Eppendorf, na Alemanha, plantou uma hóstia consagrada e dela nasceu um pé de repolho. Ao tirarem o repolho da terra, a raiz tinha o formato da cruz de Cristo. Isso teria acontecido em 1482, depois a raiz foi transferida para um convento de Hamburgo. No entanto, em 1602, após saber da existência do repolho consagrado, o imperador Rodolfo II, do Sacro Império Romano-Germânico, manifestou desejo de possuí-lo. Fez-se a sua vontade. O repolho então foi novamente transferido, desta vez para Praga. Hoje, esta gravura, de 1602, mostrando a raiz do repolho em forma de cruz, encontra-se no Museu de História da Arte de Viena. Lendas. Ou não.



10.12.12

Dorothy Parker





















The Passionate Freudian to His Love



Only name the day, and we'll fly away
 In the face of old traditions,
To a sheltered spot, by the world forgot,
 Where we'll park our inhibitions.
Come and gaze in eyes where the lovelight lies
 As it psychoanalyzes,
And when once you glean what your fantasies mean
 Life will hold no more surprises.
When you've told your love what you're thinking of
 Things will be much more informal;
Through a sunlit land we'll go hand-in-hand,
 Drifting gently back to normal.

While the pale moon gleams, we will dream sweet dreams,
 And I'll win your admiration,
For it's only fair to admit I'm there
 With a mean interpretation.
In the sunrise glow we will whisper low
 Of the scenes our dreams have painted,
And when you're advised what they symbolized
 We'll begin to feel acquainted.
So we'll gaily float in a slumber boat
 Where subconscious waves dash wildly;
In the stars' soft light, we will say good-night—
 And “good-night!” will put it mildly.

Our desires shall be from repressions free—
 As it's only right to treat them.
To your ego's whims I will sing sweet hymns,
 And ad libido repeat them.
With your hand in mine, idly we'll recline
 Amid bowers of neuroses,
While the sun seeks rest in the great red west
 We will sit and match psychoses.
So come dwell a while on that distant isle
 In the brilliant tropic weather;
Where a Freud in need is a Freud indeed,
 We'll always be Jung together.



6.12.12

Chico & Oscar
























A casa do Oscar era o sonho da família. Havia um terreno para os lados da Iguatemi, havia o anteprojeto, presente do próprio, havia a promessa de que um belo dia iríamos morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência porque meu pai, embora fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca juntava dinheiro para construir a casa do Oscar.
Mais tarde, em um aperto, em vez de vender o museu com os cacarecos dentro, papai vendeu o terreno da Iguatemi. Desse modo a casa do Oscar, antes de existir, foi demolida. Ou ficou intacta, suspensa no ar, como a casa no beco de Manuel Bandeira.
Senti-me traído, tornei-me um rebelde, insultei meu pai, ergui o braço contra minha mãe e saí batendo a porta da nossa casa velha e normanda: só volto para casa quando for a casa do Oscar!
Pois bem, internaram-me em um ginásio em Cataguases, projeto do Oscar. Vivi seis meses naquele casarão do Oscar, achei pouco, decidi-me a ser Oscar eu mesmo.
Regressei a São Paulo, estudei geometria descritiva, passei no vestibular e fui o pior aluno da classe. Mas ao professor de topografia, que me reprovou no exame oral, respondi calado: lá em casa tenho um canudo com a casa do Oscar.
Depois larguei a arquitetura e virei aprendiz de Tom Jobim. Quando minha música sai boa, penso que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é casa do Oscar.

Chico Buarque, em carta homenagem aos 90 anos de Niemeyer, não por ocasião do falecimento do arquiteto.

Joaquim Cardozo























Alucinação em branco

Nessas barracas em branco 
Quem misteriosamente teria se escondido?
São barracas de campanha,
ou de passar todo o verão no campo.

Lembram também cordas de mastros
Dos quais as velas se ausentaram.
Pois as velas voaram enfunadas e suspensas
No ar, que é – sonho das asas – 
Todo o branco do contorno,
Navegam em limpas atmosferas.

São panos estendidos ao sol
Para secar, no quintal de alguma casa;
Grandes lençóis ondulantes
Ao vento que vem e vai,
Ao vento que não pára de agitá-los.

Há um jogo de pontas nesses mastros,
Pontas dirigidas em todos os sentidos.
E as linhas e as sobre-linhas,
Se orientam como se fosse possível
Substituir definitivamente,
Todo o branco do papel.



1.12.12

Está provado que só é possível Ne Me Quitte Pas em alemão





Bitte geh nicht fort!
Was ich auch getan,
was ich auch gesagt,
glaube nicht ein Wort!

Denk nicht mehr daran!
Oft sagt man im Streit
Worte, die man dann
später tief bereut.

Dabei wollt mein Herz
ganz dein eigen sein,
denn ich liebe dich,
lieb nur dich allein!

Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!

Bleibe nah bei mir,
gib mir deine Hand!
Ich erzähle dir
von dem fernen Land,

wo man keinen Zorn,
keine Tränen kennt,
keine Macht der Welt
Liebende mehr trennt.

Wo auf weiter Flur
blüht kein Herzeleid,
wo ein Treueschwur
hält für Ewigkeit.

Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!

Bitte geh nicht fort!
Lass mich nicht allein!
Wenn du mich verlässt,
stürzt der Himmel ein.

Lass uns so wie einst
stumm am Fenster stehn,
traumverloren sehn
wie die Nebel drehn.

Bis am Himmelszelt
voll der Mond erscheint
unsre beiden Schatten
liebevoll vereint.

Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!

Glaube mir ich werd'
deine Sehnsucht stillen,
werd' dir jeden Wunsch
dieser Welt erfüllen,

werde alles tun,
was ich hab versäumt,
um die Frau zu sein,
die du dir erträumt.

Lass mich nicht allein -
ich beschwöre dich -
lass mich nicht allein,
denn ich liebe dich!

Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!
Bitte geh nicht fort!