30.3.05

antroponímia

Abrilina Décima Nona Caçapavana Piratininga de Almeida
Alce Barbuda
Barrigudinha Seleida
Cafiaspirina Cruz
Chevrolet da Silva Ford
Cólica de Jesus
Colapso Cardíaco da Silva
Comigo é Nove na Garrucha Trouxada
Dezêncio Feverêncio de Oitenta e Cinco
Éter Sulfúrico Amazonino Rios
Foca Bilota
Gerunda Gerundina Pif Paf
Graciosa Rodela D'Alho
Hepotamedes Maria Good Good
Himeneu Casamentício das Dores Conjugais
Ilegível Inelegível
Inocêncio Coitadinho Sossegado
Janeiro Fevereiro de Março Abril
Joaquim Casou de Calças Curtas
José Marciano Verdinho das Antenas Longas
Jotacá Dois Mil e Um
Kussen Pestana
Letsgo
Magnésia Bisurada do Patrocínio
Maria da Segunda Distração
Maria Panela
Maria Passa Cantando
Maria Tributina Prostituta Cataerva
Naída Navinda Navolta Pereira
Ocricocrides de Albuquerque
Pália Pélia Pília Púlia dos Guimarães Peixoto
Pedrinha Bonitinha da Silva
Placenta Maricórnia da Letra Pi
Restos Mortais de Catarina
Sete Rolos de Arame Farpado
Soraiadite das Duas a Primeira
Última Delícia do Casal Carvalho
Voltaire Rebelado de França


-- nomes de brasileiros registrados em cartório.

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19.3.05

Anna Akhmatova



Poeta


Que grande mistério este trabalho,
esta vida de nenhuma agrura:
espiar qualquer coisa da música
e fazê-la passar por coisa sua.

E intrometer por entre as linhas
um scherzo de outrem bem alegre,
jurando que na luz das pradarias
é teu pobre coração que geme.

Roubar qualquer coisa aos pinheiros
da negra floresta taciturna,
enquanto ergue os seus nevoeiros
a toda a volta a cortina de bruma.

E ir procurar - impudica -,
por onde calha e me aventuro,
alguns pedaços da vida oblíqua
e, ao silêncio da noite, tudo.



Anna Akhmatova, 1959.

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10.3.05

Waly Salomão

A memória é uma ilha de edição -- um qualquer
passante diz, em um estilo nonchalant,
e imediatamente apaga a tecla e também
o sentido do que queria dizer.

Esgotado o eu, resta o espanto do mundo
não ser levado junto de roldão.
Onde e como armazenar a cor de cada instante?
Que traço reter da translúcida aurora?
Incinerar o lenho seco das amizades
esturricadas?
O perfume, acaso, daquela rosa desbotada?



A vida não é uma tela e jamais adquire
o significado estrito
que se deseja imprimir nela.
Tampouco é uma estória em que cada minúcia
encerra uma moral.
Ela é recheada de locais de desova, presuntos,
liquidações, queimas de arquivos,
divisões de capturas,
apagamentos de trechos, sumiços de originais,
grupos de extermínios e fotogramas estourados.
Que importa se as cinzas restam frias
ou se ainda ardem quentes
se não é selecionada urna alguma adequada,
seja grega seja bárbara,
para depositá-las?

Antes que o amanhã desabe aqui,
ainda hoje será esquecido o que traz
a marca d'água d'hoje.


Fragmento de "Carta Aberta a John Ashbery", 1995.

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