Você é um sujeito que gosta de ler mas tem, digamos assim, certas limitações. Seus axônios, dendritos e sinapses não dão conta de frases que você julga rebuscadas e raciocínios que você acha rococós. Seu vocabulário esquálido o impede de ler Li-te-ra-tu-ra sem o auxílio para você inescapável de um dicionário, e você ODEEEEEEIAAAAA abrir dicionário, o que significa que você não consegue deixar de ser burro. Mas seu problema não é exatamente este, uma vez que é perfeitamente possível viver toda uma vida sem saber que os acantoquitoninos representam uma subordem de moluscos anfineuros, o que você também não tem a menor ideia do que significa e devo dizer que nem eu.
Seu problema é que você tem amigos que amam os clássicos, só leem os clássicos, só falam dos clássicos, em outras palavras, você é uma anta metida a culta que prefere ficar ali, meio com cara de pinhóim, soltando um "HAHAHA" ocasional e sonoro, um "Você tem razão" aqui, outro "Eu não tinha pensado nisso" ali, acolá um "Não é incrível?", numa tentativa ridícula de ocultar sua ignorância em vez de procurar sua verdadeira turma, digamos, num baile funk, no facebook, ou em centenas de milhares de blogs que se pandemizam pela rede, ou entre os leitores das dezenas de romances nacionais publicados atualmente às fornadas no Brasil (embora eu me pergunte se, apesar de todo o auê da imprensa especializada, tais romances têm mesmo leitores). Você gostaria de participar da conversa de seus amigos, mas como? Se ao menos você conhecesse a história de cada livro (sim, pois para você literatura é só entretenimento e o que interessa é a historinha), até poderia arrotar uma certa intimidade com as letras e dizer, "Mas o Bentinho não é assim meio viado?"
Pois agora, meu caro jumento, você vai poder arrotar à vontade.
Foi para você, que quer cagar erudição mas tem o vocabulário de um Paulo Coelho e a capacidade de raciocínio de uma Bruna Surfistinha, que criei a sensacional coleção TESOUROS DA JUMENTUDE. São vinte volumes em papel cuchê, ricamente encadernados em couro e filigranados em ouro (sim, porque burro gosta de livro aparatoso, cheio dos luxos, pra fazer vista na estante e as visita achá chique, sacumé), trazendo os maiores clássicos da língua portuguesa, todos em edição bilíngue (alfabeta/analfabeta), como, por exemplo, o badaladíssimo Machado de Assis e seu pra lá de batido Dom Casmurro:
PÁGINA ALFABETA
Há dessas reminiscências que não descansam antes que a pena ou a língua as publique. Um antigo dizia arrenegar de conviva que tem boa memória. A vida é cheia de tais convivas, e eu sou acaso um deles, conquanto a prova de ter a memória fraca seja exatamente não me acudir agora o nome de tal antigo; mas era um antigo, e basta.
PÁGINA ANALFABETA
Tem umas lembranças que só param de encher o saco quando alguém escreve ou fala delas. Um velho aí dizia que ficava puto com convidado que lembra de tudo. A vida tá cheia dessa gente, e por acaso eu também sou assim, apesar de poder provar que sou gagá porque não me lembro agora do nome do velho aí que eu falei; ele era velho e pronto.
PÁGINA ALFABETA
Depois que sacudi fora a tranca dos ideais ingênuos, sentia-me vazio de ânimo; nunca percebi tanto a espiritualidade imponderável da alma: o vácuo habitava-me por dentro. Premia-me a força das coisas: senti-me acovardado.
PÁGINA ANALFABETA
Depois que deixei de ser um mongo lesado, fiquei desanimado; pela primeira vez entendi que a alma não pode ser medida nem pesada: fiquei oco. As coisas ficaram com um peso danado: amarelei legal.
Mais um aperitivo, afinal este post deverá durar uma semana inteira para vocês, pois não, meus eus burrinhos? Vamos então a Eça de Queiroz e seu suculento Fradique, dando uma pinta das boas:
PÁGINA ALFABETA
Era um moço com cabelos ralos e cor de manteiga, sardento, apagado de idéias e de modos -- mas que despertava e se iluminava todo quando lograva "a chance de roçar por um homem célebre, ou de arranchar numa coisa original".
PÁGINA ANALFABETA
Ele era um cara meio careca e amarelinho, todo pintado, burro e sem-jeito -- mas que ficava um Amaury Júnior de tão assanhado quando conseguia "se esfregar num sujeito famoso ou se juntar com uma novidade".
Alguns de meus eus me indagam por que a maravilhosa e esclarecedora coleção TESOUROS DA JUMENTUDE não traz traduções de obras estrangeiras. O motivo é muito simples e perfeitamente compreensível (façam um esforço que vocês conseguem, meus eus). Uma palavra não é apenas um som, um bololô de fonemas; ela é também, em alguns casos principalmente, uma imagem evocativa. Sempre que leio "dizziness", por exemplo, sou tomada duma tontura psíquica que a palavra tonteira jamais conseguirá provocar. Certamente os franceses encontram um significado muito maior em "pomme de terre" do que nós em nossa prosaica "batata". Os alemães devem levar uma tijolada mental ao lerem "Gedankenübertragung", o que indica que a telepatia germânica sem dúvida é muito mais poderosa do que a nossa. Conclui-se daí que uma tradução já é, em si, uma paulocoelhização do texto. Seria uma redundância paulocoelhizar o que já está paulocoelhizado.
Mas a poesia, essa coisa sintética, um tanto hermética e, por que não dizer, caquética (sim, pois que existe desde que os gregos aprenderam a dizer alfa-beta-gama-delta, merda de blogger que não tem alfabeto grego, e -- meus eus hão de concordar comigo -- qualquer coisa, depois de tantos séculos de existência, não pode manter um frescor assim tão juvenil, que o digam a Hebe Camargo, o Paul McCartney e o meu pinico de ágata), também a poesia terá um volume todo seu (seu mesmo, dileto e iletrado leitor), por exemplo Gregório de Matos:
PÁGINA ALFABETA
Tempo, que tudo trasfegas
fazendo aos peludos calvos
e pêlos tornar mais alvos
até os bigodes esfregas:
todas as caras congregas,
e a cada uma pões mudas,
tudo acaba, nada ajudas,
ao rico pões na pobreza,
ao pobre dás a riqueza,
só para mim te não mudas.
PÁGINA ANALFABETA
Tempo, metido descarado
que põe careca o cabeludo
e cabelo branco em tudo
nem o bigode é poupado;
os mané é tudo ajuntado,
tudo de boca fechada,
arrasa tudo, não ajuda nada,
o rico cai na pobreza,
o pobre ganha a riqueza,
e eu na mesma parada.
Os demais volumes trazem José de Alencar, Manuel Antônio de Almeida, Aluísio Azevedo, Graciliano Ramos, Lima Barreto, Bernardo Guimarães, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Érico Veríssimo, Pe. Antônio Vieira, Afonso Arinos, Josué Montello, Franklin Távora, Joaquim Manuel de Macedo, Campos de Carvalho e Hilda Hilst (os dois últimos merecem figurar entre os clássicos e são terrivelmente incompreendidos).
E aí, alguém vai querer?
Seu problema é que você tem amigos que amam os clássicos, só leem os clássicos, só falam dos clássicos, em outras palavras, você é uma anta metida a culta que prefere ficar ali, meio com cara de pinhóim, soltando um "HAHAHA" ocasional e sonoro, um "Você tem razão" aqui, outro "Eu não tinha pensado nisso" ali, acolá um "Não é incrível?", numa tentativa ridícula de ocultar sua ignorância em vez de procurar sua verdadeira turma, digamos, num baile funk, no facebook, ou em centenas de milhares de blogs que se pandemizam pela rede, ou entre os leitores das dezenas de romances nacionais publicados atualmente às fornadas no Brasil (embora eu me pergunte se, apesar de todo o auê da imprensa especializada, tais romances têm mesmo leitores). Você gostaria de participar da conversa de seus amigos, mas como? Se ao menos você conhecesse a história de cada livro (sim, pois para você literatura é só entretenimento e o que interessa é a historinha), até poderia arrotar uma certa intimidade com as letras e dizer, "Mas o Bentinho não é assim meio viado?"
Pois agora, meu caro jumento, você vai poder arrotar à vontade.
Foi para você, que quer cagar erudição mas tem o vocabulário de um Paulo Coelho e a capacidade de raciocínio de uma Bruna Surfistinha, que criei a sensacional coleção TESOUROS DA JUMENTUDE. São vinte volumes em papel cuchê, ricamente encadernados em couro e filigranados em ouro (sim, porque burro gosta de livro aparatoso, cheio dos luxos, pra fazer vista na estante e as visita achá chique, sacumé), trazendo os maiores clássicos da língua portuguesa, todos em edição bilíngue (alfabeta/analfabeta), como, por exemplo, o badaladíssimo Machado de Assis e seu pra lá de batido Dom Casmurro:
PÁGINA ALFABETA
Há dessas reminiscências que não descansam antes que a pena ou a língua as publique. Um antigo dizia arrenegar de conviva que tem boa memória. A vida é cheia de tais convivas, e eu sou acaso um deles, conquanto a prova de ter a memória fraca seja exatamente não me acudir agora o nome de tal antigo; mas era um antigo, e basta.
PÁGINA ANALFABETA
Tem umas lembranças que só param de encher o saco quando alguém escreve ou fala delas. Um velho aí dizia que ficava puto com convidado que lembra de tudo. A vida tá cheia dessa gente, e por acaso eu também sou assim, apesar de poder provar que sou gagá porque não me lembro agora do nome do velho aí que eu falei; ele era velho e pronto.
PÁGINA ALFABETA
Depois que sacudi fora a tranca dos ideais ingênuos, sentia-me vazio de ânimo; nunca percebi tanto a espiritualidade imponderável da alma: o vácuo habitava-me por dentro. Premia-me a força das coisas: senti-me acovardado.
PÁGINA ANALFABETA
Depois que deixei de ser um mongo lesado, fiquei desanimado; pela primeira vez entendi que a alma não pode ser medida nem pesada: fiquei oco. As coisas ficaram com um peso danado: amarelei legal.
Mais um aperitivo, afinal este post deverá durar uma semana inteira para vocês, pois não, meus eus burrinhos? Vamos então a Eça de Queiroz e seu suculento Fradique, dando uma pinta das boas:
PÁGINA ALFABETA
Era um moço com cabelos ralos e cor de manteiga, sardento, apagado de idéias e de modos -- mas que despertava e se iluminava todo quando lograva "a chance de roçar por um homem célebre, ou de arranchar numa coisa original".
PÁGINA ANALFABETA
Ele era um cara meio careca e amarelinho, todo pintado, burro e sem-jeito -- mas que ficava um Amaury Júnior de tão assanhado quando conseguia "se esfregar num sujeito famoso ou se juntar com uma novidade".
Alguns de meus eus me indagam por que a maravilhosa e esclarecedora coleção TESOUROS DA JUMENTUDE não traz traduções de obras estrangeiras. O motivo é muito simples e perfeitamente compreensível (façam um esforço que vocês conseguem, meus eus). Uma palavra não é apenas um som, um bololô de fonemas; ela é também, em alguns casos principalmente, uma imagem evocativa. Sempre que leio "dizziness", por exemplo, sou tomada duma tontura psíquica que a palavra tonteira jamais conseguirá provocar. Certamente os franceses encontram um significado muito maior em "pomme de terre" do que nós em nossa prosaica "batata". Os alemães devem levar uma tijolada mental ao lerem "Gedankenübertragung", o que indica que a telepatia germânica sem dúvida é muito mais poderosa do que a nossa. Conclui-se daí que uma tradução já é, em si, uma paulocoelhização do texto. Seria uma redundância paulocoelhizar o que já está paulocoelhizado.
Mas a poesia, essa coisa sintética, um tanto hermética e, por que não dizer, caquética (sim, pois que existe desde que os gregos aprenderam a dizer alfa-beta-gama-delta, merda de blogger que não tem alfabeto grego, e -- meus eus hão de concordar comigo -- qualquer coisa, depois de tantos séculos de existência, não pode manter um frescor assim tão juvenil, que o digam a Hebe Camargo, o Paul McCartney e o meu pinico de ágata), também a poesia terá um volume todo seu (seu mesmo, dileto e iletrado leitor), por exemplo Gregório de Matos:
PÁGINA ALFABETA
Tempo, que tudo trasfegas
fazendo aos peludos calvos
e pêlos tornar mais alvos
até os bigodes esfregas:
todas as caras congregas,
e a cada uma pões mudas,
tudo acaba, nada ajudas,
ao rico pões na pobreza,
ao pobre dás a riqueza,
só para mim te não mudas.
PÁGINA ANALFABETA
Tempo, metido descarado
que põe careca o cabeludo
e cabelo branco em tudo
nem o bigode é poupado;
os mané é tudo ajuntado,
tudo de boca fechada,
arrasa tudo, não ajuda nada,
o rico cai na pobreza,
o pobre ganha a riqueza,
e eu na mesma parada.
Os demais volumes trazem José de Alencar, Manuel Antônio de Almeida, Aluísio Azevedo, Graciliano Ramos, Lima Barreto, Bernardo Guimarães, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Érico Veríssimo, Pe. Antônio Vieira, Afonso Arinos, Josué Montello, Franklin Távora, Joaquim Manuel de Macedo, Campos de Carvalho e Hilda Hilst (os dois últimos merecem figurar entre os clássicos e são terrivelmente incompreendidos).
E aí, alguém vai querer?
------------------------
Extraído do extinto blog Um por Semana.