28.3.06




explicar com palavras deste mundo
que partiu de mim um barco me levando





Alejandra Pizarnik, 1965.


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26.3.06

O céu é para baixo ou para cima? Pensava a nordestina. Deitada, não sabia. Às vezes antes de dormir sentia fome e ficava meio alucinada pensando em coxa de vaca. O remédio então era mastigar papel bem mastigadinho e engolir.




Clarice Lispector, em A hora da estrela, 1977.


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19.3.06




isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além



Paulo Leminski, "Incenso fosse música".



15.3.06

Manuel Bandeira



Arte de amar


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus -- ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.





12.3.06

Mishima




A primeira noite de Yuichi fora um modelo do esforço do desejo, uma personificação engenhosa que iludiu um comprador inexperiente... Na segunda noite, a personificação bem-sucedida tornou-se a fiel personificação de uma personificação... No quarto escuro os dois foram se transformando lentamente em quatro pessoas. As relações sexuais do Yuichi real com o garoto em que ele havia transformado Yasuki, e as relações sexuais do Yuichi de faz-de-conta -- imaginando que era capaz de amar uma mulher -- com a verdadeira Yasuki, tinham de se desenvolver simultaneamente.



Mishima, em descrição literária da cama dos recém-casados.
Na foto, o casamento do autor com Yoko Sugiyama em 1958.


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6.3.06

O libertino de qualidade




Gosto muito de foder. Mas como o bom Deus não quis que conhecêssemos o moto-perpétuo, uma hora temos que parar, pois este jogo cansa mais do que aborrece. Ora, minha duquesa só tinha um jargão, sempre o mesmo, e como eu tinha abaixado seu fogo, ela não era mais do que um diminuto ser rasteiro e monótono. Como adoro ver sair de uma boca tão bela estas pequenas coisas que uma mulher embriagada de volúpia torna tão preciosas! Como uma palavra dita no bom momento faz aumentar o preço de uma carícia e a torna mais emocionante! Eliminem-se os prelúdios do gozo e as palavras mágicas que, fazendo sair do êxtase, ajudam muitas vezes a nele mergulhar de novo... o tédio boceja conosco no seio de nossas belas; o amor foge, o enxame de seus prazeres bate asas, e dorme-se para nunca mais se acordar.


Mirabeau, em Minha conversão ou o libertino de qualidade, 1783.

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3.3.06

Augusto Meyer




Senhora minha, quo vadis?
Que me enchedes de soidades,
A esta façon me feredes
Deperecer por mi fé
De vossas blandas beldades.

A esta façon me deixades?

Senhora minha, haveredes
De avelenar coraçom,
y ay quão cuitado deixades
a quem tão mal atendedes!

Deixaredes de mardades.



Augusto Meyer, em "Rimance", uma paródia neotrovadoresca
do poeta, jornalista, memorialista e folclorista gaúcho composta em 1957.


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