31.7.08

Luiza Neto Jorge




As casas vieram de noite

As casas vieram de noite
De manhã são casas
À noite estendem os braços para o alto
fumegam vão partir

Fecham os olhos
percorrem grandes distâncias
como nuvens ou navios

As casas fluem de noite
sob a maré dos rios

São altamente mais dóceis
que as crianças
Dentro do estuque se fecham
pensativas

Tentam falar bem claro
no silêncio
com sua voz de telhas inclinadas

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A cabeça em ambulância

Há feridas cíclicas há violentos vôos
dentro de câmaras de ar curvas
feridas que se pensam de noite
e rebentam pela manhã

ou que de noite se abrem
e pela manhã são pensadas
com todos os pensamentos
que os órgãos são hábeis
em inventar como pensos

ligaduras capacetes
sacramentos
com que se prende a cabeça
quando ela se nos afasta

quando ela nos pressente
em síncope ou desnudamento
ou num erro mais espaçoso
ou numa letra mais muda
ou na sala de tortura
na sala escura, de infância.

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Encantatória

Custa é saber
como se invoca o ser
que assiste à escrita,
como se afina a má-
quina que a dita,
como no cárcere
nu se evita,
emparedado, a lá-
grima soltar.

Custa é saber
como se emenda a morte,
ou se a desvia,
como a tecla certa arreda
do branco suporte
a porcaria.


Luiza Neto Jorge

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imagem: Kitasono Katue
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28.7.08

Dreamtigers




Na infância pratiquei com fervor a adoração do tigre: não o tigre oveiro dos camalotes do Paraná e da confusão amazônica, mas o tigre rajado, asiático, real, que só homens aguerridos podem enfrentar, sobre um castelo em cima de um elefante. Eu costumava demorar-me infindavelmente diante de uma das jaulas do Zoológico; apreciava as vastas enciclopédias e os livros de história natural, pelo esplendor de seus tigres. (Ainda me lembro dessas figuras: eu, que não consigo recordar sem engano a fronte ou o sorriso de uma mulher.) A infância passou, caducaram os tigres e sua paixão, mas eles prosseguem em meus sonhos. Nessa tela submersa ou caótica continuam prevalecendo, e deste modo: adormecido, distrai-me um sonho qualquer, e de repente percebo que é um sonho. Costumo pensar então: isto é um sonho, pura diversão de minha vontade, e, já que tenho um poder ilimitado, vou produzir um tigre.

Oh, incompetência! Nunca meus sonhos sabem engendrar a almejada fera. O tigre aparece, sim, mas dissecado ou fraco, ou com impuras variações de forma, ou de um tamanho inadmissível, ou muito fugaz, ou tirante a cão ou a pássaro.


Jorge Luis Borges, "Dreamtigers", O Fazedor, 1960.--

27.7.08

all work and no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
all work ando no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
all work ando no paly makes kack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
all work ando no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dulla boy
all work and no play makes jack a dull boy
all work and no paly makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull bou
all work and no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
all wok and no palku makes jack a dull boy
all work ando no play makes jack a dull boi
all work ando no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
al, work and no gay makes jack a dull boy
all work ando no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a doll bou
all work and no play makes kack a vull boy
no por mucho madrugar amanece más temprano
no por mucho madrugar amanece más temprano
no por mucho madrugar amanece más temprano
no por mucho madranece adrugar mmás temprano
i do my best i do my best ido my best i do
my best i do my best i do my best i do my
i do my i do by my best i do my best best
best best best i do my best i do my best
some, but not enough, some, but not enough
all work and no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
please do please do please do please do
no por mucho madrugar amanece más temprano
np poi mucho madrugar amanece mas tempreamno
não deixe pramanhã o que pode fazer hoje
não deixe para a manhã o que pode fazer hoje
all work and no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
all work and no play makes jack a dull boy
livrar do vencilho desvencilhar livrar do
vencilho desvencilhar livrar do vencilho
desvencilhar livrar do vencilho desvencilhar
livrar do vencilho livrar do vencilho
livrar do vencilho livrar do vencilho
livrar do vencilho livrar do vencilho
livrar do que abafa desabafar livrar do
que abafa desabafar livrar do abafa
livrar do abafa livrar do abafa do
túnis capital da tunísia túnis capital
da tunísia túnis capital da tunísia
acorda vamos pra piscina do clube
acorda vamos pra piscina do clube
acorda vamos pra piscina do clube
acorda os cachorros fugiram
azar e muito vinho azar e muito vinho
azar e muito vinho azar e muito vinho
azar e muito vinho azar e muito vinho
quantos você teve? quantos você teve?
dos cachorros que fugiram dos cachorros
que fugiram fugiram fugiram fugiram
qual o tamanho da sua caixa? da caixa
i do my best i do my best i do my best
utensílios são outros utensílios
e túnis é capital da tunísia capital
all work all work all work all work all
work

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25.7.08

Picuinhas literárias




picuinhas literárias: oswald de andrade x nelson rodrigues


As ferraduras mentais do sr. Nelson Rodrigues trotaram longamente pelo "asfalto é nosso" de uma revista que desde a capa traz um tom laranja que não engana. Trata-se evidentemente de um comício laranja, onde só ele surra os seus maus sucessos e enche de invectivas as páginas mornas daquele repositório comportado de opiniões parlamentares, tímidas conversas moles sobre a Rússia e histórias do namoro de Bernard Shaw com Sarah Bernhardt.

Nunca em minha vida li um documento de insânia tão descosido, intempestivo e bravio. Não há lógica de louco que consiga acompanhar esse disco voador da besteira pelos corcovos, carambolas e girândolas em que se desagrega e pulveriza.

É melhor documentar que comentar.

O alarve que escreveu Álbum de família declara-se "espiritualista" e "antidivorcista". Raciocina ele assim: "Se a gente tem um pai só, por que não há de ter uma mulher só?"

Depois, num assomo de reacionarismo, diz que o homem de Marx é um homem inexistente. Está claro, a Rússia não existe.

Certo como está de que não atingirá a imortalidade aqui na terra, com sua coleção de torvas tolices espetaculares, opta sabiamente pela imortalidade da alma. Só assim poderá ele sobreviver.

O caso Nelson Rodrigues demonstra simplesmente os abismos de nossa incultura. Num país medianamente civilizado, a polícia literária impediria que a sua melhor obra passasse de um folhetim de jornalão de quinta classe. Mas não temos nem crítica nem críticos. E o caos trazido pela revolução mundial, que se processa sob todas as formas, permitiu que qualquer fístula aparecesse em cena vestida de noiva. A alta costura de Ziembinski -- Santa Rosa conseguiu que se consumasse a façanha teratológica.

Daí por diante, o insano ficou impossível. Veio Álbum de família e agora, num bom acesso de sã consciência, ele confessou que há mau gosto em seu teatro. Como se outra coisa houvesse! Guiado pela mão caridosa do sr. Tristão de Athayde, vamos ver o monstro contrito subir para o céu como num fim de mágica. Já crê em Deus e nos conventos e declara que "a única solução para o problema sexual é a castidade". Patetamente declama: "O homem que não compreende a grandeza de um convento não compreende nada!"

Se o sr. Nelson Rodrigues não fosse um taradão ilustre, mas de poucas letras, pensaríamos que se pudesse tratar de um convento do Aretino. Mas estamos certos de que nem dessa piada ele é capaz. Quem foi Aretino, seu Nelson?




Oswald de Andrade, em "O analfabeto coroado de louros", crônica publicada no Correio da Manhã em 8 de junho de 1952.




23.7.08

Edgar Allan Poe



Estou parado em meio ao fragor
De uma praia batida pelo tempo,
E seguro em minha mão
Algumas partículas de areia -
Quão poucas! e como escorrem
Por entre meus dedos para a profundeza!
Minhas esperanças jovens? não - elas
Se foram gloriosamente,
Como os relâmpagos do céu
Num instante - e assim irei.


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17.7.08



SENTENÇA JUDICIAL CONTRA CRIME DE ESTUPRO DATADA DE 1833 - PROVÍNCIA DE SERGIPE


O adjunto de promotor público, representando contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant'Ana quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra, que estava em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante. Dizem as leises que duas testemunhas que assistam a qualquer naufrágio do sucesso faz prova.

CONSIDERO:

QUE o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para conxambrar com ela e fazer chumbregâncias, coisas que só marido della competia conxambrar, porque casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana;

QUE o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer conxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas;

QUE Manoel Duda é um sujeito perigoso e que não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.


CONDENO:

O cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser CAPADO, capadura que deverá ser feita a MACETE. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa.

Nomeio carrasco o carcereiro.

Cumpra-se e apregue-se editais nos lugares públicos.
Manoel Fernandes dos Santos
Juiz de Direito da Vila de Porto da Folha Sergipe, 15 de Outubro de 1833


Fonte: Instituto Histórico de Alagoas


16.7.08

Corvo frio

 


talvez ela traga um corvo frio 
na mão esquerda 
feche a porta 
e não fale nada --



12.7.08


Deem-me o manto. Ponham-me a coroa. Tenho ânsias imortais em mim. Não mais o néctar de uvas molhará meus lábios. Depressa, Iras! Depressa! Sou ar e fogo, os outros elementos dou à vida mais baixa. Tenho eu veneno nos meus lábios? A morte é como o gesto de um amante que fere e é desejado. Este mundo não vale o nosso adeus. Cleo 

10.7.08

a ira é a minha carne; me comendo,
eu me mato de fome.


V.


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