29.5.03

Roland Barthes


9 de setembro de 1979


Noite: sem muita coisa para dizer: no Rest 7 com os amigos; era um bom momento de amizade; apesar da vizinhança estúpida (mulheres de idade muito pintadas, público toda-superfície-de-fora). Mas na tarde desse sábado, espécie de paquera variada e como que livre, insaciável: primeiro no Bain V, nada: nenhum dos árabes que conheço, nenhum interessante e muitos europeus sem jeito; única singularidade, um árabe, não jovem mas nada mal, se interessa pelos europeus. Visivelmente sem pedir dinheiro, ele lhes pega o pau depois passa para outro; não se sabe o que ele quer. Paradoxo puro: um árabe para quem existe o pau de um outro e não somente o seu (que é seu ego). Monólogo interminável, prolixo (de modo algum uma conversa) do dono, que relata seus dissabores em um hotel tunisiano (comida infecta e todos os jovens tunisianos o paqueravam descaradamente, explica ele, hipocritamente reprovador). Eu pensava em procurar um michê em Montmartre; é talvez por isso que, de má fé, nada encontrei no Voltaire. Chove muito, gotas pesadas de chuva, muitos automóveis. No Nuit, absolutamente nada (miragem do boato que diz que é preciso ir lá às cinco da tarde). No entanto, chega um morenão de rosto bem fino; meio estranho; seu francês é rude, tomo-o por um bretão; não, a mãe é húngara, o pai, russo branco (?), em suma, iugoslavo (muito delicado, muito simples). Mme. Madeleine, que me tinham dito estar muito doente (de um enfarte), surge, gorda e coxeando lá da cozinha, onde há sobre a mesa uma berinjela; está saindo um belo marroquino que bem queria me pegar e me olha longamente; ele esperará na sala de refeições que eu desça de novo, parece decepcionado que eu não o pegue de imediato (vago encontro para o dia seguinte). Saio leve, bem fisicamente, sempre com minhas idéias de regime, compro um pão (decidido a um regime muito sóbrio, mas não proibitivo) bem crocante, cuja ponta mordisco; a crosta se desfaz no metrô que tomo, com baldeações complicadas - mas sou cabeça-dura -, para ir ver a pressão barométrica, av. Rapp, a fim de regular meu novo barômetro. No táxi de volta, tempestade e chuva forte. Ando pra lá e pra cá em casa (como pão tostado e queijo de cabra), depois, dizendo comigo que é preciso que eu perca o hábito de calcular os prazeres (ou as derivas), saio de novo e vou ver o novo filme pornô do Dragon: como sempre - e talvez ainda mais - lamentável. Nem ouso paquerar meu vizinho, mas certamente disponível (medo idiota de ser recusado). Descida à sala escura; lamento sempre em seguida esse episódio sórdido em que a cada vez ponho à prova o meu desamparo.

-- Em "Incidentes".