12.5.03

Oh noite sem objetos. Oh janela baça pelo lado de fora, oh portas cuidadosamente cerradas; antigos hábitos transmitidos, confirmados, nunca bem entendidos. Oh silêncio no vão da escada, silêncio nos quartos vizinhos, silêncio no alto, junto ao teto. Oh mãe: oh tu, única, que te puseste diante desse silêncio outrora na infância. Que o assumias, dizendo: não te assustes, sou eu. Que tinhas a coragem de ser, na noite, inteiramente esse silêncio para aquele que teme, que se consome de temor. Acendes uma luz, e já esse ruído és tu. E a seguras à tua frente e dizes: sou eu, não te assustes. E a depositas lentamente e não há dúvida: és tu, tu és a luz em torno dos objetos amavelmente familiares, que aparecem sem ambiguidade alguma, bons, simples, unívocos. E quando algo se inquieta em algum lugar da parede ou dá um passo no assoalho: então apenas sorris, sorris, sorris translúcida diante do fundo claro, para o rosto amedrontado que te perscruta como se fosses cúmplice desse segredo em meio-tom, em combinação com ele, de acordo com ele. Existirá algum poder semelhante ao teu na terra? Vê, reis jazem de olhar fixo, e o contador de histórias não consegue distraí-los. Entre os belos seios de sua mais querida amante, eles são tomados pelo terror que os deixa trêmulos e frios. Mas tu vens, detendo o monstruoso atrás de ti, inteiramente postada à sua frente; não como um cortinado que se pudesse erguer aqui ou ali. Não, é como se o tivesses superado diante do apelo de quem te necessita. Como se te houvesses adiantado muito ao que pudesse vir, e houvesse atrás de ti apenas o teu chegar, teu eterno caminho, o vôo do teu amor.

-- Rainer Maria Rilke, em "Os Cadernos de Malte Laurids Brigge".