7.1.04

Mário Faustino: o crítico



Mário Faustino: o crítico


O fenômeno mais interessante da "jovem poesia brasileira" é que a qualquer momento podemos deparar com um rapaz de seus vinte anos, que nunca publicou um livro, apresentando-nos um poema bem melhor, como poesia, que uma alta porcentagem do que tem publicado muita gente grande das gerações anteriores. É verdade, por outro lado, que há em minha geração muitos falsos talentos, muitas máscaras, muita mistificação, muita desonestidade: mas a mesma coisa, e de modo talvez mais disfarçado e antipático, sucedeu com todas as outras gerações. (...) Quanto aos problemas, devem ser os mesmos das outras gerações: dificuldades econômicas (ter de trabalhar, fora da literatura bem mais do que dentro, para ganhar o panem nostrum); falta de uma vida genuinamente artística, falta de emulação, falta de debates (no Brasil quase todos os escritores, quando reunidos, ou não tocam em problemas literários ou então, se falam de literatura, é da maneira mais vaga e leviana: discussão de personalidades, troca de elogios, gratuitas afirmações de valor ou de intenção, frases feitas, detestáveis mots d'esprit...); falta de verdadeiras bibliotecas, universidades, museus, falta de revistas de cultura, falta de tradição filosófica, poética e crítica na língua, falta de um público inteligente, concorrência desleal (talvez não haja país no mundo com tanta gente errada em lugares errados) etc. Um jovem poeta brasileiro, como eu, queixa-se, entre outras coisas, do nível infraginasiano, para não dizer primário, da maioria do que é publicado aqui em livros, jornais e revistas; das tolices que é forçado a ler e a ouvir a respeito de sua poesia (elogios ou não), a respeito da arte e dos poetas que admira; da falta de amor à poesia, do egoísmo e da vaidade que registra em muitos de seus colegas mais velhos, entre os quais raríssimo é aquele que forma escola, que realmente se interessa pelo progresso da língua e da arte: vivem a pensar em self-promotion...; da falta de profissionalismo econômico e ético; da péssima qualidade de quase toda a nossa crítica literária (sobretudo quando se metem a falar de poesia) de todos os tempos; queixa-se, para resumir, de muita coisa.


-- fragmento de entrevista concedida em 1956, publicada em Mário Faustino, de Anchieta aos Concretos, org. de Maria Eugenia Boaventura, 2003.