8.10.03

Hilda Hilst




Sempre fui apaixonado por mamãe. Quando completei 16 anos, ela, sabedora do meu infortúnio, sentou-se na sua linda poltrona de cetim perolado, abriu suas magníficas coxas rosadas e, colocando um cacho de uvas purpúreas nos seus meios sagrados, disse-me: chupe-as, até encontrar o paraíso. Foi o que fiz. Foram semanas felizes. Passeávamos entre as alamandas as begônias as sempre-vivas, as araucárias (estas já mais altas) os carvalhos (estes altíssimos), ela descalça, a saia florida, a blusa entreaberta e aqueles seios espoucavam do decote meia-lua, linda Ma (eu chamava-a de Ma), ela chamava-me de Júnior, nome que na verdade não quer dizer nada. Depois de três semanas descobri que Ma tinha tendências lésbicas. Vi-a beliscando o bico do peito de Armanda, nossa prima. Fiquei cego de fúria. Bem, nem tanto. Disse-lhe: Ma, você não pode fazer isso comigo. Ela: o quê? Eu: isso de bolinar mulher. Sentou-se naquela mesma poltrona de cetim perolado e agora muito séria e de coxas fechadas disse-me: todos os chamados sentimentos intensos são dolorosos. E é muitíssimo normal o que ocorre com você neste momento. Entendo tudo, Júnior, mas detesto cenas. E se você se aborrece porque além de filhos gosto um nadinha de mulheres, acho demais, será preciso uma terapia de apoio. Concordei. Apoio era com ela mesma. Abriu novamente suas magníficas coxas (desta vez sem uvas) e suspirou gemendo: aqui mais em cima, meu amor, aqui Júnior, e empurrava docemente minha cabeça de cachos dourados na direção adequada. Foram semanas felizes. Ma andava nua pelos prados, saltava pequeninos riachos, na boca hastezinhas de capim, guirlandas de diminutas margaridas à volta de seu pescoço (eu sempre levava uma caixa com agulhas e linhas para fazer estes mimos à Ma). Comíamos pitangas araçás amoras jaboticabas, depois deitávamos nas gramíneas e líamos Childe Harold. Ela amava Byron. Eu dizia-lhe: mas foi um homem abominável, tudo o que fez para a pobrezinha da Clara!
ah, tem paciência, Júnior, ela não saía da cola dele!
mas Ma e tantas mulheres que ele fez sofrer!
aquelas... fartou-se e amou a Fornarina muito tempo.
uma grossa, Ma, uma padeira.
Byron era um gênio, podia amar padeiras.
eu gosto incomparavelmente mais de Shelley.
tão frágil...
ah, por favor, Ma... fino, raro, generoso, brilhante.
ninguém lia Shelley.
claro, muito mais importante, muito mais sério.
Byron foi um dos nossos, querido, amava a própria irmã.

Como resistir a tudo que dizia aquela perfeitíssima mulher que era mamã?


-- Hilda Hilst, em "Contos D'Escárnio".