21.10.03

John Fante

Tornei-me um vagabundo na minha cidade. Vadiava por lá. Peguei um serviço para capinar ervas daninhas, mas era dureza e larguei. Outro serviço, lavando janelas. Mal consegui dar conta. Procurei trabalho por toda Boulder, mas as ruas estavam cheias de homens jovens desempregados. O único emprego na cidade era para entregar jornais. Pagava cinqüenta centavos por dia. Recusei. Me escorava pelas paredes dos salões de bilhar. Me mantinha longe de casa. Ficava envergonhado de comer a comida que meu pai e minha mãe proporcionavam. Eu sempre esperava até meu pai sair de casa. Minha mãe tentava me animar. Ela fazia tortas de nozes e raviolis para mim. "Não se preocupe", ela dizia. "Espere e verá. Alguma coisa vai acontecer. Estou rezando."
Eu ia à biblioteca. Olhava as revistas, as figuras nelas. Um dia fui até as estantes de livros e puxei um livro. Era "Winesburg, Ohio". Sentei numa mesa comprida de mogno e comecei a ler. Subitamente meu mundo virou de cabeça para baixo. O céu desabou. O livro me absorveu. Fui às lágrimas. Meu coração batia rápido. Li até meus olhos arderem. Levei o livro para casa. Li outro Anderson. Eu lia e lia, e estava deprimido e solitário e apaixonado por um livro, muitos livros, até que aconteceu naturalmente, e sentei com um lápis e um bloco comprido e tentei escrever, até que senti que não poderia continuar porque as palavras não vinham como acontecia com Anderson, elas vinham somente como gotas de sangue do meu coração.


-- Em "Sonhos de Bunker Hill".