Dizem alguns que a palavra odradek provém do eslavo, e procuram determinar a formação da palavra com base nesta afirmação. Já outros acreditam que ela provenha do alemão, do eslavo tendo apenas a influência. A incerteza das duas interpretações autoriza entretanto a supor que nenhuma delas acerta, mormente porque nenhuma nos leva a encontrar um sentido para a palavra.
Como é natural, ninguém se ocuparia de tais estudos se não existisse realmente um ser chamado odradek. À primeira vista, parece um carretel de linha, achatado e estreliforme, e aparenta, de fato, estar enrolado em fio; é bem verdade que os fios não serão mais do que fiapos, restos remendados ou simplesmente embaraçados de fio gasto, da mais diversa cor e espécie. Mas não se trata apenas de um carretel, pois no centro da estrela nasce uma vareta transversal, de cuja extremidade sai mais outra, em ângulo reto. Com auxílio desta segunda vareta por um lado, e de uma das pontas da estrela por outro, o todo se põe de pé, como sobre duas pernas.
Seria o caso de se acreditar que este objeto outrora tenha tido alguma finalidade, e que agora esteja apenas quebrado. Mas ao que parece, não é o que se dá; ao menos não há sinal disso; não se vê marca alguma de inserção ou de ruptura que indicasse uma coisa destas; embora sem sentido, o todo parece completo à sua maneira. Aliás, não há como dizer coisa mais exata a respeito, pois Odradek é extraordinariamente móvel e impossível de ser pego.
Ele vive alternadamente no sótão, na escadaria, nos corredores, no vestíbulo. Às vezes desaparece por semanas inteiras; provavelmente se muda para outras casas, mas é certo que acaba voltando à nossa. Cruzando a soleira, se ele está encostado ao corrimão, lá embaixo, às vezes dá vontade de lhe falar. Não se fazem naturalmente perguntas difíceis, ele é tratado -- já o seu tamaninho nos induz -- como uma criança. Pergunta-se "qual é o teu nome?" Ele responde, "Odradek". "E onde você mora?" Ele responde, "residência indeterminada", e ri. Mas é uma risada como só sem pulmões se produz. Soa, quem sabe, como o cochicho de folhas caídas. De hábito este é o fim da conversa. Mesmo essas respostas, aliás, não é sempre que se obtém; em geral ele fica mudo por um longo tempo, como a madeira que aparenta ser.
Inutilmente eu me pergunto, o que será dele? É possível que ele morra? Tudo o que morre teve, anteriormente, uma espécie de finalidade, uma espécie de atividade, na qual se desgastou. Não é o que se passa com Odradek. Será então que no futuro, quem sabe se diante dos pés dos meus filhos, e filhos dos meus filhos, ele ainda rolará pelas escadas, arrastando os seus fiapos? Evidentemente ele não faz mal a ninguém, mas a idéia de que, além de tudo, ele me sobreviva, para mim é quase dolorosa.
-- Kafka