25.9.02

Bruno Schulz



"Naquele tempo o meu pai já tinha morrido definitivamente. Morria várias vezes, mas nunca completamente, sempre com algumas objeções que implicavam a revisão deste fato. O que tinha as suas vantagens. Dividindo a sua morte em prestações, meu pai familiarizava-nos com o fato de seu sumiço. Ficamos indiferentes aos seus retornos, cada vez mais reduzidos e lamentáveis. A fisionomia do já ausente espalhou-se pelo quarto em que vivia, ramificou-se, atando, em certos pontos, extraordinários nós de semelhança e de incrível nitidez. O papel de parede imitava em determinados lugares as contrações de seus tiques, os arabescos compunham-se na anatomia dolorosa do seu riso, dispostos em membros simétricos como a impressão petrificada do trilobite. Por algum tempo contornávamos de longe o seu casaco de pele, plissado de fuinhas. O casaco de pele respirava. O pânico dos pequenos animais costurados, mordendo uns aos outros, passava por ele em espasmos impotentes e perdia-se nas pregas da pele. Encostando o ouvido nela, podia-se ouvir o rosnar melodioso do sono que partilhavam em harmonia. Nesta forma bem curtida, com este leve cheiro de fuinhas, assassinatos e cios noturnos, meu pai poderia durar ainda anos. Mas também aqui ele não agüentou muito tempo."

-- Em Sanatório, 1937.