AS MOSCAS
Junto a quem fugirei para escapar ao meu tormento?
Lanço os altos brados contra o flagelo das moscas.
Elas não dão o menor sossego à minha vida
e me atacam com todas as forças, como o pior inimigo,
correndo sobre meus olhos e minhas pálpebras
e murmurando a meus ouvidos cantigas de amor.
Eu julgava comer inteiramente só o meu bocado:
eis que também elas o compartilham com apetite de lobo.
Elas bebem até mesmo de meu copo de vinho, como se
eu convidado as tivesse quais amigos ou parentes.
Mas não lhes bastou. Eu as vi sobre o vinho velho
e sobre o meu pedaço predileto de cordeiro
Nada mais lhes resta senão tomar o que eu levo à boca,
disputar-me o vinho que estou para beber e o pedaço que estou para comer.
Que eu convide à mesa os meus íntimos,
elas se metem nos primeiros lugares do festim.
Anseio ardentemente pelo inverno, que as destruirá
no frio das ventanias, das nevascas e dos aguaceiros.
Não fosse isto, elas me fariam horror,
mas, por isto, louvo aquele que está sobre os Querubins.
--- Abraão Ibn Ezra, poeta espanhol do séc. XII.