19.4.04

Hans Magnus Enzensberger



Giovanni de' Dondi, de Pádua,
gastou uma vida
para construir um relógio.

Um relógio sem igual, insuperado
durante quatrocentos anos.
Mecanismo múltiplo,
rodas dentadas elípticas;
ligadas por engrenagens articuladas,
e o primeiro escapo fusiforme:
uma construção inaudita.

Sete mostradores
indicam a situação do firmamento
e as revoluções silenciosas
de todos os planetas.
Um oitavo mostrador,
o mais discreto de todos,
marcava a hora, o dia e o ano:
A.D. 1346.

Trabalhado à mão pelo próprio:
uma máquina celestial,
sem finalidade e plena de sentido, como os Trionfi,
um relógio de palavras
construído por Francesco Petrarca.

Mas por que perdeis tempo
com o meu manuscrito,
se não sois capazes
de me imitar?

Duração do dia solar,
nós da órbita da Lua,
festas móveis.

Uma máquina de calcular e ao mesmo tempo
uma reprodução do céu.
Em latão, em latão.
Nós continuamos a viver sob esse céu.

A gente de Pádua
não olhava para o relógio.
As carroças da peste rolavam pelas calçadas.
Os banqueiros
saldavam as suas contas.
A comida escasseava.

A origem daquela máquina
é problemática.
Um computador analógico.
Um menhir. Um astrário.
Trionfi del tempo. Restos.
Sem finalidade e plenos de sentido
como um poema de latão.

Nenhum Guggenheim mandava
cheques a Francesco Petrarca
no primeiro dia do mês.
De' Dondi não tinha contrato
com o Pentágono.

Outros predadores. Outras
palavras e rodas. Mas
o mesmo céu.
Nós continuamos a viver
nessa Idade Média.