5.1.04

Torquato Neto



a literatura, o labirinto perquiridor da linguagem escrita, o contratempo, a literatura é a irmã siamesa do indivíduo. a idade das massas, evidentemente, não comporta mais a literatura como uma coisa viva e por isso em nossos dias ela estrebucha e vai morrer. a literatura tem a ver com a moral individual e a moral individual não interessa -- não existe mais. nossa época exige a descrição de painéis e o close-up tende a não interessar nem como psicologia. não precisaremos de retornar ao teatro de máscaras porque, se queira ou não se queira, a massa onde praticamente nos perdemos já é a máscara, já nos abriga e revela, é a supra máscara. planos gerais. painéis. o homem moderno não existe como indivíduo, mas como tipo -- e esses tipos não são tantos quanto todos nós. são relativamente poucos. somente me interesso pelo tipo e cada tipo, classe, nas diversas sociedades massificadas, obedece a comportamentos mais ou menos standards. interesso-me por compreendê-los (estudá-los) e abandoná-los. meu problema, inclusive o de cama, inclusive o de mesa, inclusive o de relacionamento, é o problema do meu tipo X perdido na massa que o plano geral não estilhaça, por literário, em todos os seus (milhares, bilhares) de "exemplos": células que não têm mais vida se isoladas na psicologia do indivíduo. O cenário é agora o único personagem vivo. O cinema urbano tem que ser do-eu-meu-tal, atualizado como as atualidades, uma primeira página de jornal, painel, afresco. 

Torquato Neto, em Os Últimos Dias de Paupéria, 1973.