10.8.14

Carta de Cazuza a Denise Dumont



Rio, 22/7/86.



a saudade é grande, mulher vermelha tiro no coração. estou escrevendo numa tarde cinzenta e fria daí resolvi bater à maquina elétrica. estou ouvindo o último disco do the smiths e me sentindo meio hemisfério norte. o cara na sala conserta o meu vídeo. estou com um da Billie Holiday lindo, filmado numa boate, ela escarrando antes de cantar com os olhos molhados boca amarga sorriso de criança baby por que nossos corações são tão atormentados?



ainda não estive com Rita pra saber novidades, eu sou tão difícil de escrever, mas aqui vão novidades que não dão no telefone. tenho trabalhado bastante, pra espantar a solidão e os maus pensamentos. hoje, pela 456° vez resolvi que preciso fazer análise, porque tenho sentido muito medo. medo de voar, de entrar no palco, de amar, de morrer, de ser feliz. medo de fazer análise e não ter mais problemas e perder a inspiração... eu fiz 28 anos e descobri um cara solitário sem vocação pra solidão. ultimamente eu passo mal quando não tem ninguém perto, chego a ter febre, é uma loucura. o menino sozinho brincando de cidades desertas cresceu e quer amar, mas é tão difícil. eu vou chegar pro analista e vou dizer: eu quero aprender a mar. estou gravando um disco, está quase pronto, e as músicas revelam muito isso que eu tô te contando, só que de um jeito sarcástico, debochado e por isso mesmo profundamente triste.

viver é bom nas curvas da estrada, solidão que nada!

viver é bom partida e chegada, solidão que nada!

esse é o refrão de uma balada blue que talvez seja a música de trabalho, e é a minha vida nesses meses, de aeroporto em aeroporto (cada aeroporto é um nome num papel, um novo rosto atrás do mesmo véu). daqui a pouco eu escrevo a letra toda! tem um blues que fala "ando apaixonado por cachorros e bichas, duques e xerifes, porque eles sabem que amar é abanar o rabo, lamber e dar a pata". forte, né?

ah, estou ficando careca, fico passando minoxidil pra fingir que é possível parar o tempo. eu queria parar o tempo e voltar e voltar pra barriga da mamãe, mas ia ficar tudo tão parado.

você vai continuar gostando de mim se eu ficar careca?

eu penso muito em você aí, menina linda tentando o grande sonho americano. eu ando muito cansado pra ir a NY, vou tirar férias depois do disco na chapada dos guimarães, onde uma amiga minha tem um sítio. às vezes eu fico pensando no porque disso tudo, ganhar dinheiro cantando as minhas aventuras de desventuras. comprar uma fazenda e fazer filhos talvez fosse uma maneira de ficar na terra pra sempre, porque discos arranham e quebram... mas eu acho que no fundo não passa de uma grande viadagem minha esses papos.


te amo muito. do nosso jeito. beijos em Margarida. (agora botei morte em veneza na vitrola)

beijos no new american boy Diogo. e beijos pra quem é de beijos. e abraços pra quem é de abraços. ciao!



Caju.