23.9.06
Paco Urondo
si ustedes lo permiten, prefiero seguir viviendo
Bar "La Calesita"
Es el fondo de un bar. Es un lugar parecido a una
cueva donde uno se sienta, bebe y ve pasar a
hombres enrarecidos por distintos problemas. Es una
gran linterna mágica.
Es una gruta retirada del mundo que cobija a sus
criaturas. Uno se siente allí ferozmente feliz.
Acaba de aparecer el primer hombre, apenas ha
aprendido a caminar, aún no sabe defenderse.
El hombre sonríe y llora y sigue la fiesta.
Cárcel del pueblo
ciudadano de la clase 39
factor rh negativo
comunica
a la división de
investigaciones policiales
antidemocráticas
haber descubierto una cárcel del
pueblo
esta ubicada cerca de mi casa
es la villa
miseria
a la que da su espalda
la manufacturera
algodonera
argentina
sociedad anónima.
Breves
una mujer
una rama
y en el otoño algo más
asomado al flexible
horizonte
algo insignificante
sustantivo como la vida
en acción como los hombres
o el río
-- Paco Urondo
---------
Bar "La Calesita"
Es el fondo de un bar. Es un lugar parecido a una
cueva donde uno se sienta, bebe y ve pasar a
hombres enrarecidos por distintos problemas. Es una
gran linterna mágica.
Es una gruta retirada del mundo que cobija a sus
criaturas. Uno se siente allí ferozmente feliz.
Acaba de aparecer el primer hombre, apenas ha
aprendido a caminar, aún no sabe defenderse.
El hombre sonríe y llora y sigue la fiesta.
Cárcel del pueblo
ciudadano de la clase 39
factor rh negativo
comunica
a la división de
investigaciones policiales
antidemocráticas
haber descubierto una cárcel del
pueblo
esta ubicada cerca de mi casa
es la villa
miseria
a la que da su espalda
la manufacturera
algodonera
argentina
sociedad anónima.
Breves
una mujer
una rama
y en el otoño algo más
asomado al flexible
horizonte
algo insignificante
sustantivo como la vida
en acción como los hombres
o el río
-- Paco Urondo
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2.9.06
1 poema de Cesário Verde
Contrariedades
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretaria. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas...
O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que mau humor! Rasguei uma epopéia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.
Com raras exceções merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingênuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie,
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exatos,
Os meus alexandrinos...
E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe umedece as casas,
E fina-se ao desprezo!
Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!
Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?
Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!
Cesário Verde
25.8.06
Acalanto
é tão tarde, a manhã já vem
todos dormem, a noite também
só eu velo por você, meu bem
dorme anjo, o boi pega neném
lá no céu deixam de cantar
os anjinhos foram se deitar
mamãezinha precisa descansar
dorme anjo, papai vai lhe ninar
Rui Barbosa
Mentira de tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, no céu, onde, segundo o Padre Vieira, o próprio céu mentia no Maranhão, e direis que hoje mente ao Brasil inteiro. Mentira nos protestos. Mentira nas promessas. Mentira nos programas. Mentira nos projetos. Mentira nos progressos. Mentira nas reformas. Mentira nas convicções. Mentira nas transmutações. Mentira nas soluções. Mentira nos homens, nos atos e nas coisas. Mentira no rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Mentira nos partidos, nas coligações e nos blocos. Mentira dos caudilhos aos seus apaniguados, mentira dos seus apaniguados à Nação. Mentira nas instituições. Mentira nas eleições. Mentira nas apurações. Mentira nas mensagens. Mentira nos relatórios. Mentira nos inquéritos. Mentira nos concursos. Mentira nas embaixadas. Mentira nas candidaturas. Mentira nas garantias. Mentira nas responsabilidades. Mentira nos desmentidos. A mentira geral. O monopólio da mentira.
Rui Barbosa, em discurso de campanha presidencial na Associação Comercial do Rio de Janeiro, 1919.
23.8.06
Oswald de Andrade
infância
O camisolão
O jarro
O passarinho
O oceano
A visita na casa que a gente sentava no sofá
adolescência
Aquele amor
nem me fale
maturidade
O Sr. e a Sra. Amadeu
Participam a V. Exa.
O feliz nascimento
De sua filha
Gilberta
velhice
O netinho jogou os óculos
Na latrina
Oswald de Andrade, "As Quatro Gares", 1927.
17.8.06
Eis como o cantador paraibano Manoel Camilo explica o que é a poesia, o que é ser poeta, numa genial trova escrita e publicada em 1958 no folheto "O Filho de Garcia":
Deus Grande Ser Incriado
Com os seus dons multiformes
Torna-se imaginário
Nos seus mistérios triformes
Simbolicamente fala
Aos gênios "aculeiformes".
E estes "aculeiformes"
Têm a visão "duplicia"
Que abstraticamente
Concretizando procria
Imagens compositórias
Eis o que é poesia.
Ser poeta é ser geníaco
Sensibilante ao ouvir
As magnificências; e
Unificar concretir
Na visão imaginária
Formar, criar, colorir.
-------------------------
Para saber mais dos cordelistas, ver aqui.
-------------------------
31.7.06
Baudelaire: de fato e ficção
Nas "Litanias de Satã" em As flores do mal:
Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!Ó Príncipe do exílio, a quem fizeram mal
E que, vencido, sempre te ergues mais triunfal,
Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!Tu que vês tudo, ó rei das trevas soberanas,
Charlatão familiar das angústias humanas,
Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!...
E por aí vai a oração baudelaireana. Mas na intimidade do poeta, a regra era outra, já que ansiava "dirigir todas as manhãs minha oração a Deus, reservatório de toda força e toda justiça, a meu pai, a Mariette [a "ama bondosa" que o criou, celebrada nas Flores do Mal] e a Poe, como intercessores". A contradição é apontada por André Breton no Segundo Manifesto do Surrealismo em 1930, como exemplo de atitude que desonra o pensamento. Entre outras revelações, Breton entrega o dramaturgo Antonin Artaud, ex-membro da panelinha surrealista, a quem chama de informante da polícia [por estar sempre cercado de policiais na porta do Teatro Alfred Jarry] e ator exclusivamente voltado para o lucro e a fama [por encenar peças de autores que desprezava mas que obtinham patrocínio]. Muito divertidas as revelações desse Manifesto, onde se vê que o coquetismo literário e a briga de egos não são privilégio dos nossos tempos.
8.7.06
Baú do Raul
Hoje
Tensão total
Angústia
Apatia
Ansiedade
Dor de cabeça
Depressivo
Triste
Desanimado
Culpado
Desolado
Irritado
Mentalmente fraco
Existencialmente pesado
Falta de vontade
Labilidade
Presa fácil da minha cerebrotânica labilidade
à terrível lucidez do medíocre.
Negar que é pestilento, jamais.
O mais e o menos são valoráveis.
Porém de nada se extrai
Da média-ocridade
Idade da pedra.
Me incomodar
A dúvida que, mascarada em cão,
Ladra e morde enfermamente.
Não quero interferências banais
Interferindo no meu espírito.
Não.
Me dê um momento para não escrever,
para não ficar na necessidade de preencher coisas
me peguei com 36 de idade, fumando
e no espelho grande vi muita vontade
imediatamente saí e comprei outro igual.
Hoje é aniversário do meu pé
ele é poucos meses mais velho do que eu
foi por causa do parto de minha mãe
diz ela que, na hora que eu estava pra ser parido,
meu pé pintou primeiro e ficou dois meses de fora.
Só depois desses dois meses que o resto de mim saiu inteiro.
E como eu, paranóico, desconfio
que ele se gaba de ter dois meses de vida em minha frente
no seu aniversário eu o castigo
não colocando polvilho Granado no seu pé-de-atleta.
Amanheci determinado a mudar
agora vou ser punk até apodrecer
Pássaro negro
Corvo, por certo,
Solitário
Me olha de soslaio
Do muro do cemitério
Aí, eu olho pra ele
Fixo
Ele voa embora,
Mas volta.
Raul Seixas, do seu Baú, revirado.
-------
15.6.06
Álvares de Azevedo
É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura -
A minha lavadeira na janela!
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! Que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...
Oh! de certo... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela... que amanhã de certo
Ela me enviará cheios de flores...
Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio...
É ela! É ela! - repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! Meu Deus! Era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas
Se achou-a assim mais bela - eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!
É ela! É ela! meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou - é ela!
6.6.06
Trilogia suja de Havana
Estou leve demais para chorar. Não tenho desejos, ou não consigo rezar, nem agradecer. Nunca peço nada a Deus. Só agradeço. Tenho sempre muita coisa para agradecer, mas agora não. Estou transparente, vazio como o ar. Levantei-me e segui pela Carlos III Unter der Linden. Era uma boa hora. O entardecer. O crepúsculo e as árvores. A hora das libações, como dizia a mulher mais bonita que tive na vida. Neste horário o marido dela estava libando em algum bar e só voltava depois das dez da noite. E eu aproveitava para fazer pequenas orgias de duas ou três horas com ela, que afinal terminavam com todos libando juntos, a partir das dez, como bons amigos ao fim e ao cabo. Tenho a impressão de que ele desconfiava de alguma coisa, mas isso já é outra história. Desde então, o crepúsculo sempre foi terrível para mim.
Nada de libações, Pedro Juan, disse para mim mesmo. Aí me dei conta de que eu era um mendigo de merda. Um pedinte asqueroso. Sujo, com barba de dois dias. Estava sem sapatos e sem camisa, andando ainda meio bêbado, quase inconsciente. Podia pedir esmola e comprar alguma coisa de comer. Depois resolvia que droga ia fazer para voltar para o meu quarto e agarrar a Cusa pelo pescoço e acabar com a raça dela. Por que você me deixou ali caído, sua filha da puta? , haveria de perguntar-lhe, só que entre bofetões. Gosto de dar uns bons sopapos nas mulheres, quando elas merecem. E vou comer a Cusa desse jeito. Dando bofetões na cara dela. Bem ardidos, bem doídos, vou encher a cara dela de bolacha e quando meu pau ficar duro, meto nela. Ahh, que bom. E a velha vai dizer: "Pare de me bater, mas ponha tudo, até o talo, papi gostoso. Pare de me bater, porra!" E na hora começa a ter orgasmos e a gritar e a ofegar com cada jato de porra. Ah, como vou gozar com aquela velha peituda.
Estendi a mão e comecei a pedir a todos os que passavam por mim. Mal balbuciava alguma coisa. Para pedir esmolas não se pode falar com clareza, nem argumentar, nem nada. Você é um animal miserável, um micróbio pedindo umas moedas pelo amor de Deus. Um pesteado.
Assim foi desde que o mundo é mundo. É toda uma arte pedir esmola e aparentar imbecilidade, cretinismo, embriaguez crônica, burrice. Só um imbecil pede esmola. Se o cara está um pouquinho acima da imbecilidade é porque pode fazer alguma outra coisa. Assim é. É preciso fazer cara de imbecil para convencer. Mas nem assim. Ninguém me deu nada! Andei muitos quarteirões Carlos III abaixo. Lentamente. Esfarrapado. Sem rumo. Com cara de louco ou de imbecil, estendendo as mãos abertas diante de todos e balbuciando. Ninguém me deu nem uma moeda! Que horror! Nada. Naquela noite eu podia ter morrido de fome. Percorri toda a Carlos III. Duas ou três horas. Não sei quanto tempo. Pedindo pelo amor de Deus. E todos viravam a cara. Olhavam para outro lado. Ou fingiam que eu era um fantasma. Eu nunca tinha pedido esmola antes. Mas é terrível pedir esmola quando as pessoas são tão miseráveis. Estão todos no fundo do poço e detestam quando outro vem se queixar. Muitos me disseram: "Não enche o saco, velho, que eu até gostaria que alguém me desse esmola."
Assim que nem um centavo. Em compensação, recuperei a lucidez. Tinha de voltar para minha casa. Por que estava retardando a hora de voltar para casa? Não queria aparecer lá arrebentado, quase desmaiado. Os vizinhos são fofoqueiros. Hoje eu entendo. A razão é essa. Um pouco mais lúcido, falei para mim mesmo: "Volte para casa, Pedro Juan, tente chegar. Já está escuro, ninguém vai ver você." Pelo jeito desliguei o piloto automático e assumi de novo o comando.
Pedro Juan Gutiérrez, em fragmento de "Pegar o touro pelos chifres", do livro Trilogia suja de Havana, 1998.
22.5.06
Sylvia Plath e Ted Hughes
A nada mole vida de poeta
Assia Wevill, a Outra.
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Os poetas Ted Hughes e Sylvia Plath tiveram um casamento conturbado. Ele, mulherengo e infiel, ela, depressiva e ciumenta. Sylvia grávida do segundo filho, Ted inicia um romance secreto com uma amiga do casal, Assia Wevill, mulher do poeta David Wevill, publicitária e aspirante a poeta. Sylvia acaba descobrindo e o abandona. Seis meses após a separação se mata aspirando gás de fogão, depois de sucessivas crises de depressão e de estar escrevendo como nunca, à luz de velas e num apartamento sem calefação que pertencera ao poeta Yeats. Suspeita-se que ficou sabendo que a amante de Ted esperava um filho dele, que acabou sendo abortado após o suicídio da poeta. Ted passa a viver com Assia -- uma mulher obcecada por Sylvia e que chegava a usar as roupas da poeta -- que, seis anos mais tarde e também sofrendo de depressão, se mata da mesma forma que Sylvia, com a cabeça ao lado do fogão e junto com a filha de 4 anos que teve com Ted e que era rejeitada pelo pai. Nessa época Ted já estava de romance com a enfermeira Carol Orchard, com quem veio a se casar e de quem se diz que também tentou o suicídio. A lembrança de Sylvia sempre acompanharia o poeta, que a certa altura escreveria o verso: "O teu fantasma, inseparável de minha sombra..." Os fãs de Sylvia Plath o odeiam, não sem motivos, o poeta declararia à Paris Review que queimou parte dos Diários de Sylvia referentes aos últimos meses de vida da poeta pois não queria que os filhos ficassem sabendo dos últimos dias de sofrimento da mãe. Ted Hughes era um dos poetas preferidos da nobreza britânica e de Margaret Thatcher, que deu uma mãozinha para ele se consagrar como poeta laureado. Ted morreria de câncer 35 anos depois de Sylvia Plath.
Assia Wevill, a Outra.
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8.5.06
Oswald de Andrade
vi a saída da lua
tive um gosto singulá
em frente da casa tua
são vortas que o mundo dá
oswald de andrade, "o violeiro".
28.4.06
Machado de Assis e a poesia
Sei de uma criatura antiga e formidável,
que a si mesma devora os membros e as
entranhas com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas,
E no mar que se rasga à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela, o chacal é como a rola inerme,
E caminha na terra imperturbável como,
Pelo vasto areal, um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo,
Vem a folha que, lento e lento, se desdobra.
Depois a flor, depois o suspirar do pomo.
Pois essa criatura está em toda a obra,
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto.
E é nesse destruir que as suas forças dobra.
Ama-te igual amor o poluto e o impoluto,
Começa e recomeça uma perpétua lida, e sorrindo
Obedece ao divino estatuto. Tu dirás que é a morte,
Eu direi que é a vida.
Machado de Assis, no poema "Uma Criatura", de Ocidentais, 1889. Machado, a quem muitos julgam, imprecisamente, como um poeta de mão pesada, embora ficcionista genial, nasceu numa chácara no Morro do Livramento, hoje Bairro da Saúde no Rio. Na foto abaixo, vê-se o Cais de São Cristóvão, onde "Machadinho", para os íntimos, costumava pegar uma barca para se deslocar até o centro da cidade. Quando subiu na vida, graças a uma promoção no serviço público concedida pela Princesa Isabel e ao dinheiro que recebia dos direitos autorais de seus livros e de suas colaborações na imprensa, Machado mudou-se para o Catete, bairro luxuoso na época. O autor terminaria seus dias dedicando-se à ABL, sua Casa, e morando solitário no Cosme Velho, um bairro da alta aristocracia.
----
17.4.06
Ángel González
Esto no es nada
Si tuviésemos la fuerza suficiente
para apretar como es debido un trozo de madera,
sólo nos quedaría entre las manos
un poco de tierra.
Y si tuviésemos más fuerza todavía
para presionar con toda la dureza
esa tierra, sólo nos quedaría
entre las manos un poco de agua.
Y si fuese posible aún
oprimir el agua,
ya no nos quedaría entre las manos
nada.
----
Todos ustedes parecen felices...
...Y sonríen, a veces, cuando hablan.
Y se dicen, incluso,
palabras
de amor. Pero
se aman
de dos en dos
para
odiar de mil
en mil. Y guardan
toneladas de asco
por cada
milímetro de dicha.
Y parecen -- nada
más que parecen -- felices,
y hablan
con el fin de ocultar esa amargura
inevitable, y cuántas
veces no lo consiguen, como
no puedo yo ocultarla
por más tiempo; esta
desesperante, estéril, larga
ciega desolación por cualquier cosa
que -- hacia donde no sé --, lenta, me arrastra.
Ángel González
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8.4.06
Borges e o Farrapo Humano
la gota del tiempo que vacila
Ya somos el olvido que seremos.
El polvo elemental que nos ignora
y que fue el rojo Adán y que es ahora
todos los hombres y los que seremos.
Ya somos en la tumba las dos fechas
del principio y el fin, la caja,
la obscena corrupción y la mortaja,
los ritos de la muerte y las endechas.
No soy el insensato que se aferra
al mágico sonido de su nombre,
pienso con esperanza en aquel hombre
que no sabrá quien fui sobre la tierra.
Bajo el indiferente azul del cielo,
esta meditación es un consuelo.
--------
Na foto, o escritor fracassado, vivido por Ray Milland no cinema, bebendo em seu bar favorito, o lendário Clarke's, na Terceira Avenida.
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Dizem que Jorge Luis Borges, poucos anos antes de morrer, visitou Nova York para uma conferência e quis conhecer, apesar de cego, todos os bares por que passou Ray Milland no filme Farrapo Humano. Borges sabia de cor o nome de todos esses bares e nessa ocasião acabou conhecendo María Panero, estudante de medicina argentina, para quem declamou 5 sonetos feitos na hora para que ela os copiasse. Disse ele que vinha pensando naqueles poemas no avião que o levou de Buenos Aires a Nova York, e que ela seria a pessoa indicada para copiá-los. Os sonetos permaneceriam inéditos pois o autor não levou uma cópia e María não conseguiu enviar a ele a cópia que ficara consigo. Anos após a morte do autor, José Manuel Martell, especialista em Borges, confirmou a autoria ao ler os sonetos, argumentando no entanto que deviam ser rascunhos mentais dos anos 60 que o autor nunca quis publicar mas que usava como isca para conseguir alguma mulher por quem se interessava. Mais recentemente estes sonetos foram disponibilizados na rede pelo poeta colombiano Harold Alvarado Tenorio e aqui publico um deles:
Ya somos el olvido que seremos.
El polvo elemental que nos ignora
y que fue el rojo Adán y que es ahora
todos los hombres y los que seremos.
Ya somos en la tumba las dos fechas
del principio y el fin, la caja,
la obscena corrupción y la mortaja,
los ritos de la muerte y las endechas.
No soy el insensato que se aferra
al mágico sonido de su nombre,
pienso con esperanza en aquel hombre
que no sabrá quien fui sobre la tierra.
Bajo el indiferente azul del cielo,
esta meditación es un consuelo.
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Na foto, o escritor fracassado, vivido por Ray Milland no cinema, bebendo em seu bar favorito, o lendário Clarke's, na Terceira Avenida.
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4.4.06
Damaris Calderón
Jardim Inglês
Os jardineiros
têm uma rara vocação para a simetria
e recortam as palavras sicômoro,
salgueiro, abeto, carvalho.
Guardam as proporções
como guardam suas partes pudendas.
E exercem sem condescendência
a ordem universal
porque o homem
-- como o pasto --
também deve ser cortado.
Mescal
No fundo
de uma garrafa
de mescal
-- como ao final --
nos espera o verme.
Mastigo na terra seca
esse brancor
de cercas vivas
para saber
o que sabe
aquele que nos comerá.
Os Outros
Sobre mim
crescerá
o capim
que pisotearão
os cavalos
de Átila.
Damaris Calderón, poeta cubana nascida em 1967. Tradução minha para este blog.
-----
28.3.06
19.3.06
15.3.06
Manuel Bandeira
Arte de amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus -- ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
12.3.06
Mishima
A primeira noite de Yuichi fora um modelo do esforço do desejo, uma personificação engenhosa que iludiu um comprador inexperiente... Na segunda noite, a personificação bem-sucedida tornou-se a fiel personificação de uma personificação... No quarto escuro os dois foram se transformando lentamente em quatro pessoas. As relações sexuais do Yuichi real com o garoto em que ele havia transformado Yasuki, e as relações sexuais do Yuichi de faz-de-conta -- imaginando que era capaz de amar uma mulher -- com a verdadeira Yasuki, tinham de se desenvolver simultaneamente.
Mishima, em descrição literária da cama dos recém-casados.
Na foto, o casamento do autor com Yoko Sugiyama em 1958.
-------
6.3.06
O libertino de qualidade
Gosto muito de foder. Mas como o bom Deus não quis que conhecêssemos o moto-perpétuo, uma hora temos que parar, pois este jogo cansa mais do que aborrece. Ora, minha duquesa só tinha um jargão, sempre o mesmo, e como eu tinha abaixado seu fogo, ela não era mais do que um diminuto ser rasteiro e monótono. Como adoro ver sair de uma boca tão bela estas pequenas coisas que uma mulher embriagada de volúpia torna tão preciosas! Como uma palavra dita no bom momento faz aumentar o preço de uma carícia e a torna mais emocionante! Eliminem-se os prelúdios do gozo e as palavras mágicas que, fazendo sair do êxtase, ajudam muitas vezes a nele mergulhar de novo... o tédio boceja conosco no seio de nossas belas; o amor foge, o enxame de seus prazeres bate asas, e dorme-se para nunca mais se acordar.
Mirabeau, em Minha conversão ou o libertino de qualidade, 1783.
-----
15.2.06
5 poemas de Luis Chaves
Luis Chaves, poeta costa-riquenho, nasceu em 1969, tem três livros publicados, El anónimo (1996), Los animales que imaginamos (1998) e Historias Polaroid (2000). Escreve simples e direto à sensibilidade. Para este blog, traduzi cinco poemas dele.
Postal
No mar à tarde,
calmo e sem ondas,
uma banhista solitária
entra até a cintura.
A metade de cima
observa algo que não vemos.
A metade de baixo
não existe.
A baixinha do canto escuro
Mamãe queria que eu fosse mulher
e que não chovesse nove meses do ano
e que papai a tirasse para dançar de vez em quando.
Mas era mais fácil amanhecer um dia com tetas
do que don Luis convidá-la para um bolero.
Há muitos anos minha mãe deixou de sonhar,
hoje aguarda a velhice como um último trâmite.
Essa mulher que em muitas manhãs
lavou e secou os pés que mais tarde
uma só vez dançaram com ela,
senta todos os dias nos degraus de sua casa
para olhar a dança vitoriosa da chuva
e para atender meus telefonemas,
cada vez menos freqüentes,
já nem sequer pode levantar-se
com o peso de tanta música morta nas pernas.
Plano B
Todas as decisões erradas de tua vida
fizeram com que chegasses até aqui.
Basta uma correta para afastar-te.
O objeto do desejo
Debaixo dessa pintinha tão sexy
cresce em silêncio
um tumor maligno.
Quanto dura a felicidade
O avô de mamãe,
totalmente senil,
dentadura de porcelana e fraldas,
sentado no meio de sua prole
que já não reconhece.
Depois de contar até três todos dizem giz.
Seu sorriso tem a mesma duração
que o instante mínimo
entre o flash e o obturador.
-----
13.2.06
31.1.06
Reservoir Dogs - roteiro
When you're dealing with a store like this, they're insured up the ass. They're not supposed to give you any resistance whatsoever. If you get a customer or an employee who thinks he's Charles Bronson, take the butt of your gun and smash their nose in. Drops 'em right to the floor. Everyone jumps, he falls down, screaming, blood squirts out his nose. Freaks everybody out. Nobody says fuckin' shit after that. You might get some bitch talk shit to ya. But give her a look, like you're gonna smash her in the face next. Watch her shut the fuck up. Now if it's a manager, that's a different story. The managers know better than to fuck around. So if one's givin' you static, he probably think he's a real cowboy. So what you gotta do is break that son-of-a-bitch in two. If you wanna know something and he won't tell you, cut off one of his fingers. The little one. Then you tell 'im his thumb's next. After that he'll tell ya if he wears ladies underwear. I'm hungry, let's get a taco.
Mr. White, em Reservoir Dogs, ou Cães de Aluguel, de Quentin Tarantino. Para ler o roteiro completo no original passe aqui.
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26.1.06
Literatura keitai
Aí está a literatura keitai, ou literatura para celular. Keitai é o termo japonês para telefone celular. Ainda em fase embrionária mas fazendo sucesso, no ano passado milhões de pessoas leram pelo celular o romance Deep Love, do escritor japonês Yoshi. Contando a história de uma adolescente prostituta nas ruas de Tóquio, a obra, depois de estrondoso sucesso pelos celulares, numa divulgação boca a boca, virou filme e livro, vendendo quase 3 milhões de exemplares. Há também os keitai tanka, ou poemas para celulares, geralmente compostos em 31 sílabas. Você pode ler clássicos, best-sellers e textos escritos especificamente para a telinha do celular. Todos os textos devem ser curtos, para leitura rápida. As páginas vão baixando para você ler. Os neoeditores estão de olho neste mercado. Tudo começou no Japão, claro. E você ainda pode ler no escuro, só com a iluminação da tela. Que tal?
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17.1.06
14.1.06
o passado terminou ontem
o passado terminou ontem
já não há revoluções no sleeping bag
na foto meus amigos mal sorriem
suas almas ficaram na praia
quando um cachorro morre,
deixa manchas na lua
9.1.06
Allen Ginsberg
um supermercado na Califórnia
Não paro de pensar em ti esta noite, Walt Whitman,
caminho pela calçada, sob as árvores, com uma dor de
cabeça constante e olhando a lua cheia.
Em meu faminto cansaço, faço compras na imaginação, entro
num supermercado de néon sonhando com tuas listas!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras
nas compras da noite! Corredores cheios de maridos! Mulheres nos
abacates, bebês nos tomates! - e tu, Garcia Lorca,
o que fazes aí na frente dos melões?
Te vi, Walt Whitman, sem filhos, velho comilão solitário,
apalpando as carnes no refrigerador, de olho nos
funcionários garotões.
Te ouvi perguntando a cada um: quem matou as costeletas
de porco? Qual o preço das bananas? És o meu Anjo?
Perambulei pelas brilhantes prateleiras dos enlatados,
te seguindo e sendo seguido pelo detetive da casa
em minha imaginação.
Percorremos todo o supermercado juntos em nossa solitária
fantasia, provando alcachofras, pegando cada delícia congelada
sem passar pelo caixa.
Para onde estamos indo, Walt Whitman? Daqui a uma hora
as portas se fecham. Que caminho a tua barba hoje aponta?
(Toco em teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado
-- que absurdo.)
Caminharemos a noite toda por essas ruas solitárias? As árvores
fazem sombra às sombras, luzes apagadas nas casas, estaremos sozinhos.
Andando e sonhando com a América perdida de amor,
passando por automóveis azuis parados, a caminho de nosso solitário refúgio?
Ah, querido pai de barbas grisalhas, velho e solitário mestre de coragem,
que América conhecestes quando Caronte parou de conduzir
e desceu-te na margem enfumaçada enquanto vias
o barco desaparecer nas negras águas do Letes?
Allen Ginsberg, Berkeley, 1955.
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