9.1.06
Allen Ginsberg
um supermercado na Califórnia
Não paro de pensar em ti esta noite, Walt Whitman,
caminho pela calçada, sob as árvores, com uma dor de
cabeça constante e olhando a lua cheia.
Em meu faminto cansaço, faço compras na imaginação, entro
num supermercado de néon sonhando com tuas listas!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras
nas compras da noite! Corredores cheios de maridos! Mulheres nos
abacates, bebês nos tomates! - e tu, Garcia Lorca,
o que fazes aí na frente dos melões?
Te vi, Walt Whitman, sem filhos, velho comilão solitário,
apalpando as carnes no refrigerador, de olho nos
funcionários garotões.
Te ouvi perguntando a cada um: quem matou as costeletas
de porco? Qual o preço das bananas? És o meu Anjo?
Perambulei pelas brilhantes prateleiras dos enlatados,
te seguindo e sendo seguido pelo detetive da casa
em minha imaginação.
Percorremos todo o supermercado juntos em nossa solitária
fantasia, provando alcachofras, pegando cada delícia congelada
sem passar pelo caixa.
Para onde estamos indo, Walt Whitman? Daqui a uma hora
as portas se fecham. Que caminho a tua barba hoje aponta?
(Toco em teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado
-- que absurdo.)
Caminharemos a noite toda por essas ruas solitárias? As árvores
fazem sombra às sombras, luzes apagadas nas casas, estaremos sozinhos.
Andando e sonhando com a América perdida de amor,
passando por automóveis azuis parados, a caminho de nosso solitário refúgio?
Ah, querido pai de barbas grisalhas, velho e solitário mestre de coragem,
que América conhecestes quando Caronte parou de conduzir
e desceu-te na margem enfumaçada enquanto vias
o barco desaparecer nas negras águas do Letes?
Allen Ginsberg, Berkeley, 1955.