12.7.15

Carlos Henrique Escobar





[sobre o filósofo hoje]

No mundo contemporâneo, o filósofo permanece bastante indefinido. Jornalistas no Brasil são filósofos. As TVs os chamam às vezes de filósofos, de intelectuais, de sábios -- como [Antônio] Cícero, Caetano, Zuenir [Ventura], Paulo Coelho e vários outros. Eles acreditam escrever livros e até livros de filosofia, e têm imensa cobertura da mídia. Isso no Brasil e no mundo impõe a banalidade. Com o tempo, os filósofos deixaram de falar para "plantarem" bombas onde os donos do mundo se reúnem.

Lembrei-me do irmão de uma cantora do Rio que os jornais chamam de filósofo, de poeta, e ninguém sabe a partir de quê. Borges já dizia que há menos pessoas capazes de ler e avaliar poesias do que aqueles que as escrevem. Quanto aos seus textos filosóficos, ele é um repetidor de uma leitura mal feita deste ou daquele filósofo. Chama-se Cícero e parece gostar de tudo isso. Mas há aí um Olavo de Carvalho e milhares de pastores com folha corrida.

De outro lado, até mesmo as unidades de filosofia das universidades em todo o mundo estão crescentemente vazias, e a juventude deixou de subverter, de pensar, de se comover. O abandono do pensamento aposta no êxito e na duração de um capitalismo que acumula por meio de produções automatizadas.

[sobre filosofia brasileira]

Acho que não podemos falar de uma filosofia brasileira. Em uma outra época, se fossemos alunos da Universidade de São Paulo (USP) com a Folha de São Paulo nos chamando de filósofos, seríamos iludidos pelo bairrismo dela e por nossa ignorância.

Cito exemplos: Gianotti jamais filosofou. Repetia sempre um Hegel, uma fenomenologia, um marxismo sartriano. Hoje mais Wittgenstein. É tão ingênuo que se autodenominou recentemente de "mandarim da filosofia no Brasil". Bento Prado - por quem tenho imenso carinho pessoal - foi aos poucos se diluindo como filósofo e como pessoa na USP e em São Carlos. Tornou-se, até falecer, um pensador en passant e sem obra.

Marilena Chauí avalia-se pelos empregos que consegue. Ela toma e retoma vazias posições de esquerda, sem militância, e na retórica francesa de que seguidamente se apropria. O Partido dos Trabalhadores (PT) uma vez a transformou em secretária da Cultura. Ela fez uma gestão insossa, que nem de longe pode ser comparada com a do poeta, assumidamente reacionário -- mas nem por isso um poeta menor -- Mário Chamie. Não nego seu sucesso em livros de introdução à filosofia e na divulgação de ambíguas opiniões políticas.

O PT -- de que no Rio fui um dos fundadores, assim como Wladimir Palmeira, Maria da Glória e tantos outros -- traiu-nos. Lula foi sempre um ambíguo líder sindical, como quase todos que domesticam os trabalhadores, sem falar agora na sistemática corrupção dos dirigentes. Ele não usou as dezenas de anos de licença das fábricas para se alfabetizar. Juntou-se a certos companheiros, rasgaram a carta de princípios e se uniram a Sarney, Maluf e Collor a caminho de algo que vamos adivinhando e contra o qual devemos lutar. Ele disse na televisão que não tinha simpatia por socialistas, e dando as mãos a um dos homens mais ricos do mundo -- ele é brasileiro -- lembrou que o capital financeiro nunca lucrou tanto quanto no seu governo.

Minha vida antes como militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), de onde fui expulso, foi a de um funcionário lobotomizado que obedecia ou era proibido de dar opinião. Comunista me tornei (e atenção) ao combatê-los, ao deplorar os stalinistas.

Fui, junto com o Wladimir Herzog, os dois paulistanos que foram mandados pelo Paulo Emílio para fazer um curso de cinema financiado pelo Itamaraty, no Rio. Desse curso nasceu o Cinema Novo brasileiro que teve e tem prestígio internacional. Nunca escrevi nem falei da minha convivência com Herzog. Sua morte deu-se mais de uma dezena de anos depois e os stalinistas me perseguiam tanto ou mais do que os militares e a polícia política.

[sobre Portugal]

Lembro que Portugal, nestes 15 anos que estou aqui, foi sempre governado pela direita. Socialistas e salazaristas são aqui a mesma coisa. Segundo um documento da União Europeia, trata-se de um dos países mais corruptos, onde surpreendentemente, a juventude nem mesmo lê jornal.

Dei conferências e participei de seminários no país ao chegar, durante o primeiro ano, depois desapareci e eles também desapareceram. Eles vivem entre si em uma usura entranhada. É um país racista e amplamente ressentido com as colônias que perdeu. Explorou os negros da África e é um país que não tem negros nas ruas.

----------------------------------------------

(Carlos Henrique Escobar, filósofo, poeta e dramaturgo autoexilado em Portugal, em entrevista ao prof. e escritor Marcio Salgado, para a Revista Filosofia, portal Uol, 2015.)