12.7.15

4 poemas de Alex Polari - 1978



Amar em aparelhos

Era uma coisa louca
trepar naquele quarto
com a cama suspensa
por quatro latas
com o fino lençol
todo ele impresso
pelo valor de teu corpo
e a tinta do mimeógrafo.

Era uma loucura
se despedir da coberta
ainda escuro
fazer o café
e a descoberta
de te amar
apesar dos pernilongos
e a consciência
de que a mentira
tem pernas curtas.

Não era fácil
fazer o amor
entre tantas metralhadoras
panfletos, bombas
apreensões fatais
e os cinzeiros abarrotados
eternamente com o teu Continental,
preferência nacional.

Era tão irracional
gemer de prazer
nas vésperas de nossos crimes
contra a segurança nacional
era duro rimar orgasmo
com guerrilha
e esperar um tiro
na próxima esquina.

Era difícil
jurar amor eterno
estando com a cabeça
prêmio
pois a vida podia terminar
antes do amor.



Noites no PP (Presídio H. Gomes)

Estou aqui, pessoal, na C-8
nossa cela de passagem
nesse famigerado
Presídio Hélio Gomes
ex-Pp,
Presídio Policial,
rodeado de faqueiros
bichas, fanchones
guardas e faxinas.
No alto de minha beliche de pedra
leio o semanário Opinião,
autores latino-americanos
e vez ou outra espio a TV.
Porto apenas uma cueca Zorba
fumo incontáveis cigarros
Hollywood
bebo infindáveis canecas
de café Pelé
e em vez de grilhetas,
calço as legítimas sandálias
Havaianas.
Discuto a formação do Partido
os males da monogamia
relembro tiroteios e trepadas
e breve, após o confere,
ainda com as feridas da última visita
na capela,
sonharei com os anjos
pendurados em paus-de-arara
celestes.


ZOOLÓGICO HUMANO

o que somos
é algo distante
do que fomos

ou pensamos ser.
Veja o mundo:
ele se move
sem nossa interferência
veja a vida:
ela prossegue
sem nossa licença
veja sua amiga:
ela se comove
por outros corpos
que não o seu.

Somos simplesmente
o que é mais fácil ser:
lembrança
sentimento fóssil
referência ética
apenas um belo ornamento
para a consciência dos outros.

A quem interessar possa:
Estamos abertos à visitação pública
sábados e domingos
das 8 às 17 horas.

Favor não jogar amendoim.



Escusas Poéticas II

Alguns companheiros reclamam
que entre tantas imagens bonitas
eu diga em meus poemas que gosto de chupar bucetas
e não vejo como isso atrapalhe a marcha para o socialismo
que é também o meu rumo. Mais ainda,
eu gostaria que nessa nova sociedade por qual luto
todos passassem a chupar bucetas a contento
todos redescobrissem seus corpos massacrados
todos descobrissem que o medo e a aversão ao prazer
a que foram submetidos foi e será sempre
apenas a estratégia dos tiranos.
Outros companheiros reclamam
quanto ao uso da 1a pessoa
em meus poemas, a falta de desfechos
corretos do ponto de vista político
e os resquícios da classe que pertenço.
A isso tudo procuro responder
que a poesia reflete uma vivência particular,
se universaliza apenas nessa medida
e que não adianta você inventar um caminho
para um povo que você não conhece nem soube achar.
Eu bem que gostaria de ter essa solução, é minha senda,
eu estou sinceramente do lado dos oprimidos
só que de uma maneira abstrata
o que errei, errei por eles,
num processo não despido de angústia
e minha poesia teria que se ressentir disso.
Quanto as outras críticas,
o que posso dizer é que a falta de lógica de meus sentimentos
não acompanha a lógica dos manuais de dialética
e que minhas intenções e objetivos
nem sempre correspondem à minha vida real.
O que muitos não entendem
é que eu quero muito falar do meu povo
da sabedoria dele,
das coisas simples
que lhe são mais imediatas
mas que esse canto hoje soaria falso
e que só posso falar disso
quando não precisar inventar nada,
quando minha práxis for essa
o caminho escolhido o certo,
quando não precisar de metáforas.
O dia da redenção tanto pode ser uma aurora quanto um poente,
isso pouco importa
desde que se cante e anuncie
de todas as formas possíveis.