21.
Os ratos despertam no teu sono
e imitam o avanço
da penúria. Minha voz se volta
à fome que dá à luz,
copulando com pedras
salientes de paredões vermelhos: o coração
rói, mas não entende
sua pilhagem, a língua esfolada
raspa. Jazemos
na mais profunda medula da terra, e ouvimos
o sopro dos anjos.
Nossos ossos drenados.
Onde quer que a noite fale,
filhos por nascer espreitam o vazio
entre as estrelas.
21.
Rats wake in your sleep
and mime the progress
of want. My voice turns back
to the hunger it gives birth to,
coupling with stones
that jut from red walls: the heart
gnaws, but cannot know
its plunder; the flayed tongue
rasps. We lie
in earth's deepest marrow, and listen
to the breath of angels.
Our bones have been drained.
Wherever night has spoken,
unborn sons prowl the void
between stars.
(Em Unearth, poema de 1974 publicado originalmente com 33 cantos. Houve várias republicações, onde alguns cantos eram retirados pelo autor. Este canto é o de número 28 na versão original; 18 na posterior coletânea Disappearences: Selected Poems, de 1988; e 21 na versão Collected Poems, de 2004, de onde saiu a versão traduzida e publicada no Brasil em 2013. Neste Canto 21, Auster aborda o dilema da geração pós-holocausto: a incapacidade de compreender a dimensão monstruosa do ocorrido e, portanto, a quase impossibilidade de uma empatia, embora o poeta aqui procure uma identificação pós-fato com as vítimas do holocausto (= "o vazio entre as estrelas", stars uma referência à estrela de Davi, sendo assim um tanto equivocada a tradução "o vácuo entre os astros" da edição brasileira). A quem deseja se aventurar na compreensão e tradução da poesia de Paul Auster, recomendo o livro de Andreas Hau, The Implosion of Negativity. The Poetry and Early Prose of Paul Auster, 2010. Tradução livre do poema, MP.)