2.12.05
Gregório de Matos
QUANTA ADMIRAÇÃO QUE LHE CAUSARAM AS MUDANÇAS DO SÍTIO.
Ou o sítio se acabou,
ou o mudaram daqui,
ou eu às cegas o vi,
e a cegueira me cagou:
quando o sítio me logrou,
ou eu o sítio lograva,
o sítio me enfeitiçava,
pelo sítio me morria,
pelas fêmeas, que ali via,
pelas saídas, que achava.
Havia umas fermosuras
mui ledas, e mui louçãs
para qualquer sim mui chãs
para qualquer não mui duras:
hoje há quatro más figuras
mui presumidas, e inchadas,
querem-se muito adoradas,
porém com pretexto errado,
e é que ao fazer do pecado
são fidalgas estiradas.
Outras putinhas malsins
me têm cercado de sorte,
que por ver-me em mãos da morte
não me dão descarga aos rins:
mas como nestes confins
tenho tanta parentela,
dando uma vista a Castela
me deparou logo Amor
na terra uma linda flor,
no céu uma rica estrela.
Fretei-a a pouco trabalho,
e mui pouco me custou,
porque era do ferro, ou
porque era amiga do alho:
veio buscar-me sem falho,
inda durava o luar,
não veio para ficar,
mas eu contudo finquei-o:
com que se a ficar não veio,
contudo veio a fincar.
Como tenho já segura
a carne no garavato,
me rio, que o sítio ingrato
tenha, ou não tenha fartura:
porque em sendo conjuntura,
que é lá pela noite alta,
nunca a Mulatinha falta,
e dêem-me outra Parda forra
em que tudo isto concorra,
geme, gosta, atura, e salta.
Gregório de Matos
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