3.11.03

Alberto Moravia


Agnes podia ter-me avisado em vez de ir embora assim, sem sequer dizer: dane-se. Não pretendo ser perfeito e se ela me tivesse dito o que lhe faltava, poderíamos ter discutido. Mas não: durante dois anos de casamento, nenhuma palavra; e depois, uma manhã, aproveitando um instante em que eu não estava, foi embora sorrateiramente, como fazem as empregadas que arranjaram um serviço melhor. Foi-se e, ainda agora, seis meses depois que me deixou, não entendi por quê.
Naquela manhã, após ter feito as compras no mercadinho do bairro (gosto de fazer as compras eu mesmo: conheço os preços, sei o que quero, gosto de regatear e discutir, experimentar e apalpar, quero saber de que animal vem minha bisteca, de que cesta a maçã), saí novamente para comprar um metro e meio de franja para pregar na cortina, na sala de jantar. Como não queria gastar mais que o devido, dei muitas voltas antes de encontrar o que me convinha, numa lojinha na rua da Umiltà. Voltei para casa a umas onze e vinte, entrei na sala de jantar para comparar a cor da franja com a da cortina e logo vi em cima da mesa o tinteiro, a caneta e uma carta. Para dizer a verdade, o que, sobretudo, atraiu minha atenção foi uma mancha de tinta na toalha de centro da mesa. Pensei: "Mas olha, que porcalhona... manchou a toalha." Tirei o tinteiro, a caneta e a carta, peguei a toalha, fui à cozinha e ali, esfregando limão com força, consegui tirar a mancha. Depois voltei à sala de jantar, repus a toalha no lugar e, só então, me lembrei da carta. Era endereçada a mim: Alfredo. Abri e li: "Limpei a casa. O almoço você mesmo faça, que tem muita prática. Adeus. Volto para a casa de mamãe. Agnes." Por um instante fiquei sem entender nada. Em seguida reli a carta e finalmente entendi: Agnes tinha ido embora, me deixava após dois anos de casamento. Por força do hábito, coloquei a carta na gaveta do bufê onde guardo os recibos e a correspondência e sentei numa cadeira perto da janela. Não sabia o que pensar, não estava preparado para isso e quase que não acreditava. Enquanto assim refletia, bati os olhos no chão e vi uma pequena pena branca que devia ter se soltado do espanador quando Agnes tirara o pó. Catei a pena, abri a janela e a joguei fora. Depois peguei o chapéu e saí de casa.


-- Fragmento do conto "Não se aprofundar", do livro Contos romanos, 1954.