Escola Normal do Braz. Reduto pedagogico da pequena burguezia. O estudo não é muito caro. Os paes querem que as filhas sejam professoras, mesmo que isso custe comer feijão, banana e brôa todo dia.
O predio grande, amarelo e sujo. O jardim de formigas do jardineiro José. Eternas serventes. O porteiro bonito que estuda Direito. O secretario anão e poeta. As professoras envelhecendo, secando. Os lentes sem finalidade. O sorveteiro. O amendoim torrado. As meninas entrando, saindo. Bem vestidas. Mal vestidas. As bem vestidas são as filhas dos medicos do Braz e a Matilde, a filha daquela girl do Arruda. Todas acham ela bonita. Tem o sorriso triste. Os olhos muito verdes. As coxas aparecendo sob o jersey curtissimo. Paga sorvete pra todas. Cada lanche! Como corista ganha! Mas ela não conta pra ninguem que já trabalhou na Fabrica.
Linguas maliciosas escorregam nos sorvetes compridos. Peitos propositaes acendem os bicos sexualisados no "sweater" de listas, roçando.
O caixeirinho de calçados morde de longe.
Clelia, a portuguezinha chic, lisa como uma tabôa, sorri na boca enorme para um estudante rico.
-- Fedorzinho! Não se enxerga.
-- Deixa de historia. É o José Mojica em pessôa. Principalmente com a camisa alta.
-- Outro dia encontrei ele em Santana com a Dirce.
-- Ah! Você sabe que o pae encontrou ela numa casa de tolerancia na rua Aurora? Com um homem casado...
-- Quem é que não sabe. Por isso que ela não tem vindo. Diz que ele vae botar ela no Bom Pastor.
-- Por isso é que as normalistas têm fama. Desmoralizam a gente.
-- Ora, vae saindo! Ela foi examinada e é virgem. Ela não faz mais do que você no Recreio Santana e do que eu em Santo Amaro.
-- Mas eu nunca entrei num quarto...
-- Olha lá o decote da Edith. Ela vem assim só pra mostrar os peitos na aula de desenho.
Os bigodinhos estacionam nas esquinas. O diretor não quer estragar o nome da Escola com o escandalo diario dos pares amorosos. Nenhum homem póde parar perto do portão. Mas as saias azues se enroscam nas esquinas.
Eleonora da Normal beija a Matilde que entrou de novo. Como um homem.
O sino pesado chama na mão do porteiro.
-- Bom dia, seu Carlos!
-- Bom dia, Branquinha!
Não trata ninguem de dona. O bando azul e branco caminha pelo roseiral maltratado até a escada grande. As mãos custam a se despregar nos corredores.
-- Entrem... Entrem...
-- Só mais um sorvete, seu Carlos!
Sobem aos grupos, abraçadas.
-- Se você visse que suco o vesperal do Tennis!
-- Eu não tinha vestido, sinão ia ao Teyçandaba.
-- Eu fui ao Politeama.
-- Vá saindo. Com aquela cafagestada!
-- Você viu a Cinearte de hoje? Fala do cinema russo...
-- Escuta! Você sabe o que é o comunismo?
-- Não sei nem quero saber.
Pagu, em Parque industrial, 1933. Reproduzido de edição fac-similar.