5.5.03

Thomas Bernhard


Por algum tempo andamos com pessoas numa direção, depois acordamos e voltamo-lhes as costas. Eu lhes voltei as costas, pensei. Nós nos prendemos a elas e de repente tomamos horror delas, e as soltamos. Corremos anos a fio atrás delas, e mendigamos sua simpatia, pensei, e de repente temos sua simpatia e não queremos mais sua simpatia. Fugimos delas, elas nos alcançam e nos apertam contra si, e nós nos submetemos a elas, a cada um de seus ditames, pensei, e nos entregamos a elas, até que morremos ou fugimos. Fugimos delas e elas nos apanham e nos esmagam. Corremos atrás delas, nós lhes imploramos que nos aceitem, e elas nos aceitam e nos matam. Ou desde o começo saímos do seu caminho e conseguimos sair do seu caminho a vida inteira, pensei. Ou caímos na sua armadilha, e sufocamos. Ou escapamos delas e as rebaixamos, caluniamos, espalhamos mentiras sobre elas, pensei, para nos salvarmos, difamamos essas pessoas onde podemos para nos salvarmos delas, fugimos delas para salvarmos nossa vida e as acusamos por toda parte, elas são culpadas por nós. Ou elas nos escapam e nos difamam e nos acusam, espalham toda a sorte de mentiras a nosso respeito para se salvarem, pensei. Acreditamos estar mortos e nos encontramos com elas e elas nos salvam, mas não lhes ficamos gratos por isso, por nos terem salvo, ao contrário, nós as amaldiçoamos, nós as odiamos por isso, nós as perseguimos a vida toda com nosso ódio por nos terem salvo. Ou nos aproximamos delas e elas nos rejeitam, e nos salvamos e vingamos e as difamamos, nós as rebaixamos por toda parte, perseguimo-las com nosso ódio até a sepultura. Ou elas nos ajudam a nos levantarmos no momento decisivo, e nós as odiamos porque nos ajudaram, como elas nos odeiam porque as ajudamos, pensei sentado na bergère.

-- Em "Árvores Abatidas".