Por que razão não gosto eu da poesia pura? Pelas mesmíssimas razões que me levam a não gostar de açúcar "puro". O açúcar é coisa deliciosa quando se o toma no café, mas ninguém se poria a comer uma pratada de açúcar -- seria demais. E em poesia o excesso cansa -- excesso de poesia, excesso de palavras poéticas, excesso de metáforas, excesso de nobreza, excesso de depuração e de condensação, excessos esses que assimilam o verso a um produto químico.
Como chegamos nós a isto? Quando um homem se exprime com naturalidade, quer dizer, em prosa, a sua linguagem abarca uma gama infinita de elementos que refletem por inteiro a sua natureza; mas há os poetas que procuram eliminar gradualmente da linguagem humana todo o elemento apoético, que querem cantar em vez de falar, que se convertem em bardos e em prestidigitadores, tudo sacrificando em prol do canto.
Quando um tal trabalho de depuração e de eliminação se mantém durante séculos, a síntese a que chega é tão perfeita que só restam algumas notas, e a monotonia forçosamente invade o domínio do melhor dos poetas. O seu estilo desumaniza-se, a sua referência deixa de ser a sensibilidade do homem comum, passando a ser a de um outro poeta, uma sensibilidade "profissional" -- e, entre profissionais, cria-se então uma linguagem tão inacessível como certos dialetos técnicos; e sobem uns para as costas dos outros, constroem uma pirâmede cujo cume se perde nos céus, enquanto nós, algo desconcertados, ficamos a seus pés. Mas o mais interessante é que todos eles se tornam escravos do seu instrumento, pois é tão rígido este gênero, é tão determinado, tão sagrado, tão reconhecido, que deixa de ser um modo de expressão; poder-se-ia então definir o poeta profissional como um ser que não se exprime porque exprime versos.
-- Witold Gombrowicz, no manifesto "Contra a Poesia", 1957.