18.8.15

André Breton -- A união livre




A união livre


Minha mulher com a cabeleira de fogo de lenha
Com pensamentos de relâmpagos de calor
Com a cintura de ampulheta
Minha mulher com a cintura de lontra entre os dentes de tigre
Minha mulher com a boca de emblema e de buquê de estrelas de primeira grandeza
Com dentes de rastros de rato branco sobre a terra branca
Com a língua de âmbar e vidro friccionado
Minha mulher com a língua de hóstia apunhalada
Com a língua de boneca que abre e fecha os olhos
Com a língua de pedra inacreditável
Minha mulher com cílios de lápis de cor para crianças
Com sobrancelhas de borda de ninho de andorinha
Minha mulher com têmporas de ardósia de teto de estufa
E de vapor nos vidros
Minha mulher com ombros de champanhe
E de fonte com cabeças de golfinhos sob o gelo
Minha mulher com pulsos de palitos de fósforo
Minha mulher com dedos de acaso e ás de copas
Com dedos de feno ceifado
Minha mulher com as axilas de marta e faia
De noite de São João
De ligustro e de ninho de carás
Com braços de espuma de mar e de eclusa
E mistura do trigo e do moinho
Minha mulher com pernas de foguete
Com movimentos de relojoaria e desespero
Minha mulher com panturrilhas de polpa de sabugueiro

Minha mulher com pés de iniciais
Com pés de molhos de chaves com pés de calafates que bebem
Minha mulher com pescoço de cevada perolada
Minha mulher com a garganta do Vale do Ouro
De encontro no próprio leito da correnteza
Com os seios de noite
Minha mulher com os seios de toupeira marinha
Minha mulher com os seios de crisol de rubis
Com os seios de espectro da rosa sob o orvalho
Minha mulher com o ventre a desdobrar-se no leque dos dias
Com ventre de garra gigante
Minha mulher com o dorso de pássaro que voa vertical
Com dorso de mercúrio
Com dorso de luz
Com a nuca de pedra rolada e giz molhado
E queda de um copo do qual se acaba de beber
Minha mulher com os quadris de escaler
Com os quadris de lustre e penas de flecha
E de caule de plumas de pavão branco
De balança insensível
Minha mulher com nádegas de arenito e amianto
Minha mulher com nádegas de dorso de cisne
Minha mulher com nádegas de primavera
Com sexo de lírio roxo
Minha mulher com o sexo de jazida de ouro e de ornitorrinco
Minha mulher com o sexo de algas e bombons antigos

Minha mulher com o sexo de espelho
Minha mulher com olhos cheios de lágrimas
Com olhos de panóplia violeta e agulha imantada
Minha mulher com olhos de savana
Minha mulher com olhos d’água para beber na prisão
Minha mulher com olhos de lenha sempre sob o machado
Com olhos de nível d’água de nível do ar de terra e de fogo.



(trad. de Claudio Willer)


8.8.15

4 poemas de Amiri Baraka (aka LeRoi Jones)



Monday in B-Flat

I can pray
    all day
    & God
    wont come.

But if I call
            911
        The Devil
            Be here

        in a minute! 




Wise I

    WHYS (Nobody Knows
    The Trouble I Seen)
    
Traditional

If you ever find
yourself, some where
lost and surrounded
by enemies
who won't let you
speak in your own language
who destroy your statues
& instruments, who ban
your omm bomm ba boom
then you are in trouble
deep trouble
they ban your
own boom ba boom
you in deep deep
trouble


humph!

probably take you several hundred years
to get
out!



Incident

He came back and shot. He shot him. When he came
back, he shot, and he fell, stumbling, past the
shadow wood, down, shot, dying, dead, to full halt.
At the bottom, bleeding, shot dead. He died then, there
after the fall, the speeding bullet, tore his face
and blood sprayed fine over the killer and the grey light.
Pictures of the dead man, are everywhere. And his spirit
sucks up the light. But he died in darkness darker than
his soul and everything tumbled blindly with him dying
down the stairs.
We have no word
on the killer, except he came back, from somewhere
to do what he did. And shot only once into his victim's
stare, and left him quickly when the blood ran out. We know
the killer was skillful, quick and silent, and that the victim
probably knew him. Other than that, aside from the caked sourness
of the dead man's expression, and the cool surprise in the fixture
of his hands and fingers, we know nothing 



Notes for a Speech

African blues
does not know me. Their steps, in sands
of their own
land. A country
in black & white, newspapers
blown down pavements
of the world. Does
not feel
what I am.

Strength

in the dream, an oblique
suckling of nerve, the wind
throws up sand, eyes
are something locked in
hate, of hate, of hate, to
walk abroad, they conduct
their deaths apart
from my own. Those
heads, I call
my 'people.'

(And who are they. People. To concern

myself, ugly man. Who
you, to concern
the white flat stomachs
of maidens, inside houses
dying. Black. Peeled moon
light on my fingers
move under
her clothes. Where
is her husband. Black
words throw up sand
to eyes, fingers of
their private dead. Whose
soul, eyes, in sand. My color
is not theirs. Lighter, white man
talk. They shy away. My own
dead souls, my, so called
people. Africa
is a foreign place. You are
as any other sad man here
american. 



A Naifa - Calças Vermelhas




 Amanhã vou comprar umas calças vermelhas 
Porque não tenho nada a perder
Amanhã comprarei calças vermelhas
Porque não tenho nada a perder
Sei quantas voltas dei à chave, 
Sublinhei as frases importantes, 
Aparei os cedros, 
Fechei em código toda a escrita 

Amanhã vou comprar calças vermelhas

Porque não tenho nada a perder
Amanhã comprarei calças vermelhas
Porque não tenho nada a perder 
Afiarei as facas 
Ensaiarei um número 
Abrirei o livro na mesma página 
Descobrirei alguma pista




6.8.15

A Naifa - Dona de Muitas Casas - com Letra

A Naifa - Señoritas




naquele porto os metalómanos barcos
esmagam a paisagem
de energia brutal, parada.

num barco soviético
o marinheiro põe o punho a meio gás
como o comunismo enjeitado na sua terra.

disse-lhe que portugal ainda tinha muitos comunistas
mas o que ele queria saber era onde havia señoritas
que o levassem a dar uma volta.


A naifa - Apenas durmo mal




debruçada no parapeito
vestida com um certo desleixo
a sombra a giz desenhada no chão
apenas durmo mal
alguma informação
um mapa mal desenhado
serei suprema
nunca serei nada
todo o teatro inútil
o razoável insucesso
não tenho jeito para estas coisas
nunca devia ter hesitado
meti-me para dentro
roupa interior feia
a menina devia ser fuzilada
juntamente com as suas companheiras



4.8.15

Salt Flat, Texas

3 poemas de Amália Rodrigues



Carta a Vitorino Nemésio



Talvez que o anjo esquecido,
O anjo da poesia,
Se tenha de mim perdido
Sem reparar que o fazia...
Por isso me faltam asas
E me sobejam as penas
De um desejo inalcançado:
Que eu gostava de voar
Até ao anjo perdido
O anjo de mim esquecido,
Que por mim é tão lembrado.
Ai se eu tivesse voado
Aonde queria voar
Não estava agora a rimar
Versos de asas cortadas.
Voava junto de si
Assim fico aonde me vê
Mesmo pregadinha ao chão
Com asas de papelão
E sem entender porquê.
Pois a uns faltam-lhe asas
Mas por ter asas cortadas
Sofrem uns e outros não?
Eu tenho sofrido muito
Nos meus voos ensaiados
Que ao querer sair do chão
Ficam-me os pés agarrados,
...E por falar dos pés
Com versos de pés quebrados
Perdoe lá a quem os fez
Pelo mal dos meus pecados
Só os fiz por timidez
Que tenho em me dirigir

A quem tem por lucidez
Razão para distinguir
O bom e o mau Português.
Assim à minha maneira
Aqui venho responder
Desta forma tão ligeira
Que a sério não pode ser!





335 Gafanhotos

335 gafanhotos
30 carochas
3 cabrochas

335 gafanhotos
Eu de galochas
30 carochas
Eram cem sapos
Cabras cabrochas
Vinham patinhos
Pintainhos
Outros bichinhos
Engraçadinhos
E as galinhas
Molhadinhas
Estupidazinhas
Iam atrás



Fui ao mar buscar sardinhas


Fui ao mar buscar sardinhas
Para dar ao meu amor
Perdi-me nas janelinhas
Que espreitavam do vapor

A espreitar lá do vapor
Vi a cara dum francês
E sejá lá como for
Eu vou ao mar outra vez

Eu fui ao mar outra vez
Lá o vapor de abalada
Já lá não vi o francês
Vim de lá toda molhada

Saltou-me de mim toda a esperança
Saltou do mar a sardinha
Salta a pulga da balança
Não faz mal, não era minha

Vou ao mar buscar sardinha
Já me esqueci do francês
A idéia não é minha
Nem minha nem de vocês

Coisas que eu tenho na idéia

Depois de ter ido ao mar
Será que me entrou areia
Onde não devia entrar?

Pode não fazer sentido
Pode o verso não caber
Mas o que eu tenho rido
Nem vocês queiram saber

Não é para adivinhar
Que eu não gosto de adivinhas
Já sabem que eu fui ao mar
E fui lá buscar sardinhas

Sardinha que anda no mar
Deve andar consoladinha
Tem água, sabe nadar,
Quem me dera ser sardinha!



Kafka - Carta ao Pai

3.8.15

James Joyce




Comunicado a Dublin do falecimento de James Joyce 
em Zurique, a 13.01.1941, de úlcera duodenal perfurada 
e peritonite generalizada durante cirurgia.