11.12.13

Marina Tadeu


Acessórios


Aqueles que metem o bugalho em tudo
dizem que as malas das mulheres
são transposições do útero.

Acho muito ordinário
pois se o corpo é ao contrário 
a minha, como a de Anne,
guardaria um aquário.

Meto a mão para remexer peixes
que mordem à procura de isco.
Um cigarro molhado acende-se no escuro.
Penso, se roupa é o corpo do avesso
que dizer dos bolsos de caqui colonial
ou dos calções de combate no deserto?

Terão homens inveja da vila?

Aqui carecas não usam pente no bolso 
de trás
e é isso que constrange o contrário.



Intimidade


Não consigo adormecer
sem o ressonar do marido
da mesma maneira
que parei de ver filmes
desde que encontrei os óculos

Preciso do som
para ganhar fôlego
mandar para o escuro
o olho da noite.

Somos dois cabeças no ar
pagamos por compras
que deixamos nas lojas
e se não fosse o filho
não entraríamos 
em casa.

Há muito que perdemos
as chaves.

Dois vencidos
que cantam destoados
nas ruas fazendo
figura triste
apesar de nos rirmos.

Quando discutimos
castigo-o com fado
e os Dubliners. 

Ah mulher, não me toques
folclore
que me desafinas

Ele vinga-se com os
Genesis do Gabriel.

Ah, homem
não me dês escatologia
que Messias
dão-me alergias.

Do pós-vida e a alma
fazemos apalpões.

Sabe que amo
os que antes dele existiam
e que por isso nunca mais
os verei.

Sei que ama
as que depois virão
e que por isso já as ceguei.

Há muito que o advento soprou.
À próxima teremos asas.

Sabemos que querer
dói menos que o fim
e lá nos vamos
consolando no outro
depositando na vida
a bolsa 
dessa ausência de todos.

Não consigo dormir
sem o ressonar dele
acertar o fôlego 
pela confiança 
da comédia
daquele coração deitado
e passando os dedos
pelo dorso dono
fechar estes olhos
vidrados à morte
exorcizando a mão
entre aquelas
pernas longas
até ao abandono.

Na volta descobrimos
que não nos deixámos.

Uns simplórios
é o que somos.

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(mais da autora aqui.)