22.10.12

Guilherme de Aquitânia, 1071-1126


I.
Farei um verso do nada,
não será de mim, nem de outra gente,
não será do amor, nem da juventude,
nem de nada.
A trova foi feita dormindo
sobre um cavalo.
II.
Não sei em qual hora nasci,
não estou alegre, nem irado,
não sou rude, nem amigável,
nem tenho culpa,
pois assim fui de noite fadado,
em um monte elevado.
III.
Não sei quando durmo
nem quando velo, se alguém não me diz.
Por pouco não me parte o coração
uma dor lancinante,
mas não me troco por uma formiga,
por São Marcial!
IV.
Doente estou e creio morrer,
e nada sei além do que ouço dizer.
Um médico buscarei por minha vontade,
mas não conheço tal.
Bom médico será se me puder curar,
mas não, se piorar!
V.
Amiga tenho, mas não sei quem é,
pois nunca a vi, se me tens fé,
nada fez que me agrade ou me pese,
e não me importo,
pois nunca houve normando ou francês
dentro de minha casa.
VI.
Nunca a vi e fortemente a amo,
nunca me fez favor ou desfavor,
quando não a vejo, não me divirto,
mas não me troco por um galo,
que seja mais gentil e formosa,
e que valha mais.
VII.
Não sei o lugar onde está,
se é no monte ou no plano,
não me atrevo a dizer a injustiça que me faz,
antes me calo,
ou me pesa muito quando fica aqui,
portanto vou.
VIII.
Feito está o verso, não sei do que,
e envio-o àquele
que o envie através de outro
a Poitou,
e que de seu estojo me traga
a aduela.

(Em Guillermo IX. Duque de Aquitania y Jaufré Rudel, Canciones completas. Tradução de Ricardo da Costa.)

11.10.12

Maira Parula
























I

No chiqueiro, os porcos gordos são os primeiros a serem procurados pelos comedores de porcos. Os comedores de porcos gordos procuram uma receita alheia pronta na gaveta e na hora de servir só acrescentam a folhinha de manjericão. Há quem prefira ervilhas. Ou esmagar bem a carne. Uma ideia de tomilho. Uma sugestão de pecorino ralado. O editor põe a mesa. Escolhe seus dez porcos gordos para a revista dos comedores de porcos. Os porcos magros têm fome e sede, mas comedores de porcos não se interessam por energia bruta. Querem energia metabolizável. Ver no espelho um bando de cisnes. O editor reserva os porcos magros para o peso ideal de abate. Porcos magros disputam os farelos de mamona com os verbos no futuro. Nada, com efeito, era mais real. Alguns amigos teimam comigo o contrário. Abrem o piano até os joelhos e apontam para o decassílabo heroico. Eu continuo pensando nos porcos gordos. Na revista dos comedores de porcos. Na página 21 que aproxima os corações solitários. E também na imortalidade da alma porca. Faço as contas do sangue derramado. Sem sair da minha posição. Sem me mexer na cadeira. O que tem o dom da cura. A demência pela modéstia parafraseada. Eu era uma menina quando desisti da guerra. E se hoje penso nos porcos gordos, uma palavra sua pode mudar isso. Não a repetida. Não a que está agora em foco. Mas aquela possivelmente um nada. Um bicho-da-seda fugindo para o sul enquanto fecho a revista e conserto a goteira no teto. 

II

Vinte anos no mesmo assunto e não conseguia vendê-lo. 

O pano de prato do coveiro. 
Fez até roteiro. O corpo central do edifício. 
Após alguns braços de mulher, desistiu. 
Hoje estala os dedos e Vamos tomar um café às cinco e meia? 
Eu hesito porque ele escarra na rua e seca os dedos estalados no casaco. 
Quer comprar meus porcos gordos. 
Coloco o pão à direita e a faca à esquerda. 
Tiro da boca o que já mastiguei e entrego a ele. Parece limpo. 
Ele bebe à minha saúde, à minha lhaneza, à minha amizade. 
Mais tarde penso muito sobre este encontro e separo um tempo para os doces. 
Os meus porcos a essa altura viraram língua escrita. 
Ferdinando é um ladrão. 
Da próxima vez escondo melhor meus animais.

3.10.12

Euler Granda



La advertencia


Un día
le regalan a uno
una palabra
y uno la pone al sol,
la alimenta,
la cría,
la enseña a ser bastón,
peldaño,
droga anticonceptiva,
garra,
analgésico,
brecha para el escape,
o parapeto.
Uno le saca música,
la pinta,
la vuelve más pariente
que un hermano,
más que la axila de uno.
Uno la vuelve gente
y en los instantes débiles
hasta le cuenta 
las cosas subterráneas de uno;
pero cría palabras
y un día te sacarán los ojos.



2.10.12

Poeta en Bicicleta, versão sonora de um poema do equatoriano Raul Arias

Poeta en Bicicleta - Paul Rosero C. (poema de Raul Arias)
(clique para ouvir)


De Poesía en Bicicleta, 1975


Ah, poetas de mi tierra,
poetitas de mierda
con quienes aprendí a conocer
una nueva enfermedad:
la trinofobia.

Poetas de poetas,
esqueletos de oficina,
telefónicos versos, _
dominicales y amarillos,
sálvensesipueden,
novios de la muerte,
vividores de la luna,
no se sorprendan
cuando guiando mi bicicleta
les caiga encima,
transeúntes de vías lácteas,
y lean el periódico amarillo
al otro día:

«Poeta Zutano,
recuperándose.

Le cayó encima
un ángel de cien metros».