9.7.12
Ivo Machado, o poeta da ilha Terceira
Vento
O vento quando humilha a laranjeira
as laranjas caem sobre a terra cavada de véspera,
mas entre essa terra e as metrópoles
muros distanciam os homens como das hélices
à torre de comando dum transatlântico,
ou do cais da minha pátria às casas onde a fome
remanesce. O vento consome as rosas
e a terra as sobras do quanto ao sol morre,
enquanto a matéria se decompõe
na multiplicação de fórmulas inexplicáveis,
e o planeta prorroga os ciclos das chuvas
ou das secas. O vento nas janelas dos prédios
faz o frio nos retratos dos mortos, nos ossos,
nos armários onde as laranjas são a carne
dos viajantes. O vento como lâminas
trespassando as línguas dos mendigos
mais lacônicas que o lacônico
vento do abandono. O vento marítimo
é fé do romeiro
nas estâncias da quaresma, ou perfume
do seu silêncio. O vento que me acorda
adormece os líderes que desconhecem
o homérico segredo, por ti guardado
– As laranjas da minha pátria
são como relíquias de santos, tão antigas
quanto a fome e o amor.
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Poesia
No tempo de Lorca não havia o Dia da Poesia, mas o Guadalquivir
e as laranjeiras em flor ou a defesa da diversidade no amor
nas linguagens; no tempo de Lorca
não havia poesia nas casas comerciais, nos cárceres, nas fábricas;
no tempo de Lorca havia piqueniques nas planícies, alegria
nos corpos amando a terra e teatro nas festas de Reis
No tempo de Lorca não havia o Dia da Poesia, mas o Guadalquivir
mais o Darro, o Genil
que o viram atravessando a noite vergado às oliveiras velhas,
arcando o opróbrio das estrelas recém-nascidas;
no tempo de Lorca não havia o Dia da Poesia
e vieram buscá-lo
No tempo de Lorca não havia o Dia da Poesia, mas se houvesse
nada seria diferente
– Nenhum poema em sua defesa. E ninguém acudiria,
nem mesmo o Guadalquivir imortal
No tempo de Lorca não havia o Dia da Poesia, mas se houvesse
um maricón o mataria
só para que fosse, também ele, Universal.