29.7.12

Duas poetas venezuelanas


Autossuficiente

Sou
minha própria mucama
cozinheira
secretária
costureira
manicure
pedicure
e cabeleireira.

Sou,
não tanto como gostaria,
minha relações-públicas
conselheira
detratora
e amiga.

Hoje
daria metade do meu reino
para passar a mais branca de tuas camisas.


- Reina Varela



 “Autoestrada nº 95, Direção Sul, New Jersey”: 

A poeta holandesa extenuada
do passeio pela quinta avenida
se acomoda no banco
do pequeno automóvel e conclui
desta forma a história
de suas relações amorosas.
“Arrulhar uma estranha nos braços,
sussurrar-lhe canções ao ouvido,
murmurar elogios e promessas
sempre tem... um resultado inevitável.
Quando a mulher acorda
e parte para outros braços,
os murmúrios, os sussurros
entalam na garganta,
e a língua, antes ponte e senda,
e sabor de corpo, só consegue proferir
os consabidos cobras e lagartos.
Cobras e lagartos são portanto
parte substancial dos amores, os estranhos.
Poderíamos pois falar, stricto sensu,
de uma zoologia do corpo e das palavras."


- Verónica Jaffé

(trad. MP)

19.7.12

Blaue Reiter


























Ligo às 9:12. 
Fumo um Kent e volto para a cama 
ouvindo a História dos Insípidos. 
Não há ruído algum de tráfego. 
Jogo xadrez com a fumaça.
Escalo o zíper da jaqueta. 
Sylvia parada no portão. 
Ligo às 10:30.
Sylvia na escada. 
Sylvia com catorze anos. 
Sylvia por causa de um homem. 
Sylvia no peitoril da janela. 
Ligo às 12:15. 
Uma voz impaciente. 
Engraxo os sapatos. 
A cura pelo repouso 
não sai de lugar algum 
não passa por lugar algum 
não chega a lugar algum. 
Ligo às 14:45. 
Sylvia tomando um chá. 
“Fui eu mesma que pintei.” 
Do outro lado não digo nada. 
Sylvia lendo o Blaue Reiter
Sons estranhos à harmonia. 
Sylvia porém não me ouve. 
Atravesso o quarto. 
Aumento o volume 
na soma total das notas. 
E uma enfermeira entra sem bater. 
O mundo cheirando bem.



15.7.12

Juan Luis Panero


















A la mañana siguiente Cesare Pavese no pidió el desayuno

Solo bajó del tren,
atravesó solo la ciudad desierta,
solo entró en el hotel vacío,
abrió su solitaria habitación
y escuchó con asombro el silencio.
Dicen que descolgó el teléfono
para llamar a alguien,
pero es falso, completamente falso.
No había nadie a quien llamar,
nadie vivía en la ciudad, nadie en el mundo.
Bebió el vaso, las pequeñas pastillas,
y esperó la llegada del sueño.
Con cierto miedo a su valor
-- por vez primera había afirmado su existencia --
tal vez curioso, con cansado gesto,
sintió el peso de sus párpados caer.
Horas después -- una extraña sonrisa dibujaba sus labios --
se anunció a sí mismo, tercamente,
la única certidumbre que al fin había adquirido:
jamás volvería a dormir solo en un cuarto de hotel.

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Lo que queda después de los violines

Cuando te olvides de mi nombre,
cuando mi cuerpo sea sólo una sombra
borrándose entre las húmedas paredes de aquel cuarto.
Cuando ya no te llegue el eco de mi voz
ni el resonar cordial de mis palabras,
entonces, te pido que recuerdes que una tarde,
unas horas, fuimos juntos felices y fue hermoso vivir.
Era un domingo en Hampstead, con la frágil primavera
de abril posada sobre los brotes de los castaños.
Pasaban hacia la iglesia apresuradas monjas
irlandesas, niños, endomingados y torpes, de la mano.
Arriba, tras los setos, en la verde penumbra
del parque dos hombres lentamente se besaban.
Tú llegaste, sin que me diera cuenta apareciste y empezamos a hablar
tropezando de risa en las palabras, titubeantes
en el extraño idioma que ni a ti ni a mi pertenecía.
Después te hiciste pequeña entre mis brazos
y la hierba acogió tu oscura cabellera.
A veces las cosas son simples y sencillas
como mirar el mar una tarde en la infancia.
Luego la escalera gris, larga y estrecha,
la alfombra con ceniza y con grasa,
tus pequeños pechos desolados en mi boca.
Sí, a veces es sencillo y es hermoso vivir,
quiero que lo recuerdes, que no olvides
el pasar de aquellas horas, su esperanzado resplandor.
Yo también, lejos de ti, cuando perdida en la memoria
esté la sed de tu sonrisa me acordaré, igual que ahora,
mientras escribo estas palabras para todos aquellos
que un momento, sin promesas ni dádivas, limpiamente se entregan.
Desconociendo razas o razones se funden
en un único cuerpo más dichoso
y luego, calmado ya el instinto
y rezumante de estrenada ternura el corazón,
se separan y cumplen su destino,
sabiendo que quizá sólo por eso
su existir no fue en vano.


9.7.12

Ivo Machado, o poeta da ilha Terceira
















Vento 

O vento quando humilha a laranjeira 
as laranjas caem sobre a terra cavada de véspera, 
mas entre essa terra e as metrópoles 
muros distanciam os homens como das hélices 
à torre de comando dum transatlântico, 
ou do cais da minha pátria às casas onde a fome 
remanesce. O vento consome as rosas 
e a terra as sobras do quanto ao sol morre, 
enquanto a matéria se decompõe 
na multiplicação de fórmulas inexplicáveis, 
e o planeta prorroga os ciclos das chuvas 
ou das secas. O vento nas janelas dos prédios 
faz o frio nos retratos dos mortos, nos ossos, 
nos armários onde as laranjas são a carne 
dos viajantes. O vento como lâminas 
trespassando as línguas dos mendigos 
mais lacônicas que o lacônico 
vento do abandono. O vento marítimo 
é fé do romeiro 
nas estâncias da quaresma, ou perfume 
do seu silêncio. O vento que me acorda 
adormece os líderes que desconhecem 
o homérico segredo, por ti guardado 
– As laranjas da minha pátria 
são como relíquias de santos, tão antigas 
quanto a fome e o amor. 

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Poesia 

No tempo de Lorca não havia o Dia da Poesia, mas o Guadalquivir 
e as laranjeiras em flor ou a defesa da diversidade no amor 
nas linguagens; no tempo de Lorca 
não havia poesia nas casas comerciais, nos cárceres, nas fábricas; 
no tempo de Lorca havia piqueniques nas planícies, alegria 
nos corpos amando a terra e teatro nas festas de Reis 

No tempo de Lorca não havia o Dia da Poesia, mas o Guadalquivir 
mais o Darro, o Genil 
que o viram atravessando a noite vergado às oliveiras velhas, 
arcando o opróbrio das estrelas recém-nascidas; 
no tempo de Lorca não havia o Dia da Poesia 
e vieram buscá-lo 

No tempo de Lorca não havia o Dia da Poesia, mas se houvesse 
nada seria diferente 
– Nenhum poema em sua defesa. E ninguém acudiria, 
nem mesmo o Guadalquivir imortal 

No tempo de Lorca não havia o Dia da Poesia, mas se houvesse 
um maricón o mataria 
só para que fosse, também ele, Universal.