9.1.09

Apollinaire




Estás no jardim de um albergue perto de Praga
Te sentes felicíssimo há uma rosa sobre a mesa
E observas em vez de escrever teu conto em prosa
O inseto que dorme no coração da rosa
Espantado de ver-te desenhado nas ágatas de são Vito
Estavas triste de morte no dia em que lá te viste
Te pareces com Lázaro atordoado pela luz do dia
Os ponteiros do relógio do bairro judeu andam para trás
E também tu recuas na vida lentamente
Ao subir o Hradchin e à noite ao escutar
Nas tabernas cantarem canções tchecas

Eis-te em Marselha no meio das melancias

Eis-te em Coblenz no Hotel do Gigante

Eis-te em Roma sentado à sombra de uma nespereira do Japão

Eis-te em Amsterdam com uma jovem que achas bela e que é feia
E que se vai casar com um estudante de Leyden
Ali se alugam quartos em latim Cubicula locanda
Não me esqueci passei três dias lá e outros tantos em Gouda

Estás em Paris no juiz de instrução
Detém-te como se fosses criminoso
Fizeste viagens dolorosas e alegres
Antes de te dares conta da mentira e da idade
Sofreste a dor do amor aos vinte e aos trinta
Vivi como um louco perdi meu tempo
Não ousas mais olhar as mãos e a cada momento gostaria de soluçar
Sobre ti sobre aquela que amo sobre tudo o que te espantou

Olhas com olhos cheios de lágrimas esses pobres emigrantes
Acreditam em Deus e rezam as mulheres amamentam as crianças
Enchem com seu cheiro o hall da estação de Saint-Lazare
Têm fé em sua estrela como os reis magos
Esperam ganhar dinheiro na Argentina
E voltar para sua terra após terem feito fortuna
Uma família carrega uma colcha vermelha como a gente carrega o coração



(Apollinaire, em fragmento do poema "Zona". Tradução de Mário Faustino.)