28.8.07

Gafes à mesa



Sobre gafes à mesa

Os acepipes muitas vezes despertam a maledicência. Este hábito constitui a força dos pobres de espírito, os cultos não o adotam. Santa Teresa sempre foi tida como a advogada dos ausentes e, diante dos que invocam como desculpa o fato de que "os outros não nos poupam", seria oportuno recordar que a bondade e a reserva são adornos para todas as idades.

A gafe é uma vocação, disse Laudet. Grandes personalidades, como Napoleão, cometeram gafes a torto e a direito. Como um pássaro a esvoaçar sobre todas as reuniões, a gafe sobrepaira em todas as mesas, mas é preciso não permitir que pouse, pois nos causa um mal-estar que nos fica colado à alma. E o pior ainda é que depois disso não sabemos conversar.

Há pessoas que tomam a palavra de princípio a fim e discorrem o tempo todo, com os direitos de um conferencista. Ora, a menos que a nossa competência sobre qualquer assunto tenha sido solicitada, não se usurpa indefinidamente um privilégio que nos foi momentaneamente concedido. Outras pessoas remontam, em suas narrativas, a Matusalém, e, embora contem fatos absolutamente banais, não dispensam um cortejo histórico. Outras, ainda, têm a mania irritante das comparações hiperbólicas ou indiscretas.

Também desgracioso seria falar mal de si próprio, dos seus, ou levar à mesa um compêndio sobre seus males íntimos, mesmo porque jamais devemos dizer de nós mesmos, nem mal, nem bem. Santo Agostinho caluniava-se por virtude; Rousseau, por orgulho; e a celebridade de Byron foi o ter sabido queixar-se. São exceções. Acusar publicamente um rim volante ou um fígado em cólicas para não aceitar um prato que nos foi oferecido, ou cujos condimentos não nos apetecem, seria perfeitamente descabido, incivilizado mesmo. E depois, se temos o direito de recusar um prato em meio a um banquete, para que impor aos convivas "bons garfos" a mágoa dessas proscrições terapêuticas e seus regimes aguados?

Falar frequentemente de si ou das próprias atividades é ser pretensioso, pouco polido para com os demais, e, num jantar, é quase indigesto. Discutir sobre a origem da vida só é aproveitável aos grandes espíritos. Ainda assim, o resultado dessas controvérsias é raramente feliz. Os antigos baniam das suas mesas a religião e a política, porque as criaturas de caráter impulsivo e apaixonado, nas suas expressões partidárias e ofensivas, se esquecem muitas vezes de que a verdadeira civilização transmuda o homem, inspirando-lhe o respeito recíproco que desconhece os limites dos partidos.

Enfim, à mesa, mesmo quando pesem as iguarias no estômago, o espírito deve conservar-se leve. Limitemo-nos a banalidades sociais: fatos do dia, fragmentos de história e literatura, anedotas não obrigadas a biografias, cuja oportunidade se ajuste a uma expressão feliz.

Saber conversar é uma arte, e uma prosa destra, como dizia Nietzsche, tem ritmo de dança. E o homem amável, disse Mme. de Genlis, é aquele que escuta com interesse as coisas que sabe da boca daquele que as ignora. Ainda mais, é aquele que conhece todo o manejo dessa arma poderosa -- o Silêncio. É o silêncio que encoraja, que cede, que aprova, que desvia uma frase infeliz, acode a uma fraqueza, condena um pensamento suspeito e mata uma esperança.




Carmen D'Avila, em seu manual de 390 págs. intitulado Boas Maneiras, cuja décima edição publicada em 1956 pela ed. Civilização Brasileira saiu com uma tiragem de "89 milheiros".