14.9.04

Há, no Bairro Francês, vários bares gays, tão repletos todas as noites que os viados transbordam pras calçadas. Um ambiente cheio de viados me enche de pavor. Eles se sacodem que nem marionetes movidas por fios invisíveis, galvanizados por uma agitação hedionda que é a própria negação de tudo que é vivo e espontâneo. A vida genuína se mudou desses corpos há muito tempo. E algo se infiltrou lá dentro, quando o locatário original foi embora. Viados são bonecos de ventríloquos que tomaram de assalto a alma do mestre. O boneco senta no balcão, ninando sua cerveja e tagarelando sem parar. Nada é capaz de alterar a rigidez de seus traços inumanos.

De vez em quando a gente encontra personalidades intactas num bar gay, mas são as bonecas que estabelecem o padrão nestas bibocas, e eu sempre fico deprimido quando entro numa delas. Com o tempo, a depressão só faz aumentar. Depois de uma semana numa cidade nova, já esgotei todas as possibilidades desses bares; só me resta fuçar noutros cantos, em geral nos bares da boca do lixo e imediações.

Mas, vez por outra, eu tenho umas recaídas. Certa noite, no Frank's, fiquei descerebrado de tanto beber e fui a um bar gay. Devo ter bebido mais lá, pois fui acometido de um lapso temporal. Já estava clareando lá fora quando se abriu no bar um desses súbitos bolsões de silêncio. Silêncio é algo que não ocorre com frequência num bar gay. Acho que a maioria dos viados já tinha ido embora. Eu estava debruçado no balcão diante de uma cerveja que eu não queria. O barulho se dissipou feito fumaça e notei que um garoto ruivo me olhava fixamente, a um metro de distância.

Como ele não veio com viadagens pra cima de mim, me animei a dizer, "Como vão indo as coisas?", ou algo assim.

-- Cê quer ir pra cama comigo? -- ele disse.

-- Tudo bem, vamos nessa -- eu disse.

Quando íamos saindo do bar, ele apanhou minha garrafa de cerveja no balcão e escondeu-a sob o casaco. Lá fora já era dia. O sol despontava. Atravessamos trôpegos o Bairro Francês, passando a garrafa um pro outro. Ele ia me levando ao seu hotel, pelo menos foi o que me disse. Sentia meu estômago crispar, como se estivesse prestes a tomar um pico depois de muito tempo sem droga. Eu devia ficar mais atento, sem dúvida, mas nunca consegui misturar sexo e vigilância. O tempo todo eu ouvia sua voz sexy, cujo sotaque sulista não era de Nova Orleans. Mesmo à luz do dia, ele ainda me parecia apetecível.

Chegamos no hotel e ele veio com um papo de que tinha de entrar primeiro. Tirei umas notas do meu bolso. Ele deu uma olhada e disse: "Melhor me dar uma de dez." Dei a ele. Entrou no hotel e logo saiu.

-- Lotado -- disse ele. -- Vamos tentar o Savoy.

O Savoy ficava logo ali, do outro lado da rua.

-- Espere aqui -- ele disse.

Fiquei uma hora esperando. De repente me bateu o que havia de errado com o primeiro hotel. Não devia ter porta dos fundos ou lateral por onde ele pudesse escapar. Voltei ao meu apartamento e peguei meu revólver. Fiquei esperando perto do Savoy. Depois dei uma volta pelo Bairro Francês, à cata do garoto. Já devia ser meio-dia quando me bateu a fome. Tracei um prato de ostras e uma cerveja. Ao sair do restaurante, senti um cansaço repentino de dobrar as pernas, como se me aplicassem golpes de karatê nas junções atrás dos joelhos.

Peguei um táxi até em casa e me joguei atravessado na cama, sem tirar os sapatos. Acordei por volta das seis da tarde e fui ao Frank's. Três cervejas mais tarde, eu já me sentia melhor.


William Burroughs, em Junky, 1953.