31.5.04

Lundum de Cantigas Vagas


Xarapim eu bem estava
Alegre nest'aleluia,
Mas para fazer-me triste
Veio Amor dar-me na cuia.

Não sabe meu Xarapim
O que amor me faz passar,
Anda por dentro de mim
De noite, e dia a ralar.

Meu Xarapim já não posso
Aturar mais tanta arenga,
O meu gênio deu à casca
Metido nesta moenga.

Amor comigo é tirano
Mostra-me um modo bem cru,
Tem-me mexido as entranhas
Qu'estou todo feito angu.

Se visse o meu coração
Por força havia ter dó,
Por que o Amor o tem posto
Mais mole que quingombó.

Tem nhanhá certo nhonhó,
Não temo que me desbanque,
Porque eu sou calda de açúcar
E ele apenas mel do tanque.

Nhanhá cheia de chulices
Que tantos quindins afeta,
Queima tanto a quem a adora
Como queima a malagueta.

Xarapim tome o exemplo
Dos casos que vêm em mim,
Que se amar há-de lembrar-se
Do que diz seu Xarapim.

(estribilho)

Tenha compaixão
Tenha dó de mim,
Porqu'eu lho mereço
Sou seu Xarapim.


Domingos Caldas Barbosa, em Viola de Lereno, 1826.

Nota: Xarapim: xará, em tupi. Aleluia: alegria, bem-estar. Cuia: no texto, cabeça. Dar à casca: morrer, perder tudo, arruinar-se. Moenga: moenda. Quingombó: quiabo. Nhanhá: tratamento dado às meninas e às moças pelos escravos. Nhonhó: tratamento dado aos senhores pelos escravos. Chulice: de chulo; no texto, graças, malícias. Quindins: dengues, meiguices, encanto.

30.5.04

Boris Vian



Primeiro amor


Quando um homem ama uma mulher
Primeiro, ele a coloca no colo
Toma o cuidado de levantar o vestido
Para não estragar a calça
Pois um tecido sobre um tecido
Gasta o tecido.
Em seguida, verifica com sua língua
Se as amígdalas foram bem extraídas
Se não seria realmente contagioso.
E depois, como é preciso ocupar as mãos,
Ele procura, o mais longe que pode procurar
E rápido acaba por constatar
A presença efetiva e real da cauda
De um camundongo branco manchada de sangue
E ele puxa, delicadamente, pelo fiozinho
Para engolir o tampax.




28.5.04

Waly Salomão - "Minha alegria"


Minha alegria


minha alegria permanece eternidades soterrada
e só sobe para a superfície
através dos tubos de filtros alquímicos
e não da causalidade natural.
ela é filha bastarda do desvio e da desgraça,
minha alegria: um diamante gerado pela combustão,
como rescaldo final de incêndio.


Waly Salomão




26.5.04

Para adorar o que queimei


Há livros que lemos sentados num banquinho
diante de uma carteira escolar.

Há livros que lemos andando
(e também por causa do formato);
Uns são para as florestas e outros para outros campos,
Et nobiscum rusticantur, diz Cícero.

Alguns há que li na diligência;
Outros, deitado no fundo dos celeiros de feno.

Há os para fazer crer que temos uma alma;
Outros, para desesperá-la.

Há os em que se prova a existência de Deus;
Outros, em que não se consegue fazê-lo.

Há livros que não é possível admitir
senão em bibliotecas particulares.

Há os que receberam elogios
de muitos críticos autorizados.

Alguns há em que só se trata de apicultura,
que certas pessoas acham algo especializados;
noutros fala-se tanto da natureza
que não vale mais a pena passear depois.

Outros há que os homens sensatos desprezam
mas que excitam as criancinhas.

A alguns chamam antologias
e neles incluíram tudo o que de melhor se disse
a propósito de tudo.

Há os que desejariam fazer-nos amar a vida;
outros depois dos quais o autor suicidou-se.

Alguns semeiam o ódio
e colhem o que semearam.

Alguns, quando os lemos, parecem brilhar,
carregados de êxtase, deliciosos de humildade.

Há os que amamos como irmãos
mais puros e que viveram melhor do que nós.
E os há impressos em caracteres extraordinários
e que não compreendemos, mesmo depois de tê-los estudado muito.

Ah! quando teremos queimado todos os livros, Nathanael!

Alguns há que não valem um vintém furado,
outros alcançam preços consideráveis.
Alguns falam de reis e de rainhas
e outros de gente muito pobre.

Alguns há cujas palavras são mais suaves
do que o ruído das folhas ao meio-dia.
Foi um livro que João comeu em Patmos
como um rato; mas eu prefiro as framboesas.
Isso encheu-lhe as entranhas de amargura
e ele teve depois muitas visões.

Ah! quando teremos queimado todos os livros, Nathanael!


André Gide

20.5.04



Internato

Uma quinze anos, dezesseis a outra,
Dormiam as duas no mesmo quarto.
Numa noite abafada de setembro:
Frágeis, olhos azuis, rubor de frutas.

Para ficar a gosto as duas tiram
As finas camisolas perfumadas.
A mais moça abre os braços e se arqueia
E a beija a irmã, com as mãos nos seus seios,

Depois cai de joelhos, fica atrevida
E tumultuosa e doida e sua boca
Afunda no ouro claro, em meio às sombras;

Mas a menina, nos dedos mimosos
Vai recontando as valsas prometidas
E, corada, sorri com inocência.


Paul Verlaine



19.5.04

Esquecimento - Lieh-tzu


Esquecimento

Um homem chamado Hua-tzu passou a sofrer da memória ao atingir a meia-idade. Ele esquecia durante a noite o que tinha feito durante o dia, e esquecia de manhã o que havia feito à noite. Na estrada esquecia como andar, em casa como sentar. Num determinado momento ele ficava inconsciente do que tinha feito no momento anterior, e um pouco depois ele não sabia o que iria fazer no presente.

Toda a sua família estava perturbada com o seu estado. Eles chamaram um adivinho mas não tiveram qualquer prognóstico. Convocaram um xamã para rezar por ele, mas isso não fez com que o processo de esquecimento parasse. Chamaram um médico para tratá-lo, mas ele não o curou.

Havia um confucionista que reconheceu que poderia curar o homem esquecido, e a sua mulher e filhos lhe ofereceram a metade das suas propriedades pelo remédio. O confucionista disse: "Este caso não pode ser por esconjuros, não pode ser aliviado pela prece, não pode ser tratado pela medicina. Eu tentarei transformar a sua mente e mudar o seu pensamento e espero que ele fique melhor."

Então o adepto de Confúcio o testou expondo-o aos elementos, e o homem pediu roupas para se abrigar. Quando ele o fez passar fome, o homem pediu comida. Quando o fechou num local escuro, o homem pediu luz. O confucionista alegremente anunciou aos seus filhos: "Esta doença pode ser curada. O meu remédio, entretanto, é secreto e não pode ser revelado aos outros. Por favor saiam todos e deixem-me só com ele durante sete dias." A família fez o que ele disse e com isso ninguém pôde saber que medidas o confucionista havia tomado, e um dia a doença que havia acometido o homem foi embora.

Quando o homem acordou, ele expulsou a sua mulher de casa, puniu os filhos e foi atrás do confucionista com uma machadinha. As pessoas que estavam no local seguraram-no e perguntaram qual o motivo de tanta confusão. Ele disse: "No meu passado, quando eu estava completamente esquecido de tudo, eu estava claro e livre, inconsciente da existência ou da não-existência do céu e da terra. Agora que estou subitamente consciente, todas essas décadas de ganhos e perdas, dores e alegrias, quereres e não-quereres, subitamente me ocorrem numa grande confusão. Eu tenho agora medo de que o futuro possa me trazer ganhos e perdas, que perturbarão a minha mente completamente. Será que eu terei um momento de esquecimento novamente?"


-- Tradição oral retirada dos Lieh-tzu, um clássico do taoísmo.

hoje vou com aquele que me levar
e se for uma mulher
vou com as suas mãos que remendam
e não substituem
e se for um homem
vou com as suas mãos que remendam
e não substituem
e se ninguém houver
vou com ninguém que me leva sempre
para onde não quero
e vou com as suas mãos que substituem não remendam
é por isso que à noite
espreito para a janela dos comboios
e cumprimento-me timidamente

Bénédicte Houart

17.5.04

Robert Bringhurst

Pitágoras

lemuribus vertebratis ossibus inter tenebris

I
O que resta: as trinta e nove regras, um relógio solar
desamarrado como um cordão de sapato, uma teoria do número
desmembrada e dispersa como dados. E a velha
conversa-fiada a respeito da transmigração da alma.
E uma lenda: Pitágoras se recusava a comer carne
e por isso tinha as pernas bambas.
Escombros
de pensamentos recolhidos, frontões quebrados, cacos
de telhas assentadas com argamassa agora carregada pelas chuvas.

Aves marinhas sobrevoando a relva crescida,
nada ereto
exceto estes pilares:
a mente de Pitágoras repousa sobre duas colunas de palavras.

II
Não o cálculo. Números. Inteiros
atrelados em estruturas cristalinas: cobre, antimônio...
Inteiros cravados como pregos num vazio inflexível.

Discípulos obtusos, séculos após, sentando-se
para contar o catálogo,
murmurando multiplicadores.

III
A unidade é uma substância, não uma propriedade. A luz
é finita e móvel. A escuridão
é o verbo eterno.

A singularidade é reta.
A pluralidade se curva
e a escuridão é plural.
E somente a mão esquerda se move.
E a escuridão...esta...estas
escuridões estão em toda parte.

O ponteiro do relógio solar é símbolo,
assim como a régua de cálculo do carpinteiro. A aguçada
escuridão é simplesmente o índice.
A luz não se move, e a luz é a ferramenta.

IV
O princípio, portanto:
transparência.

Lavrar a obsidiana
à limpidez duma garra;
não deixar sulco, pegada, ou galho partido,
ou qualquer vestígio de repouso entre dois intervalos de movimento
que a língua não faça sombra
à palavra, nem a mão faça sombra à pedra.

A escuridão se arqueia sobre a cabeça, disse Pitágoras.
Esquecei a cabeça. Pintai retratos da mente.
A escuridão flui entre dedos fechados.
Representai-me o deus sem o corpo. Apenas
a tangência intangível, escultura como a corda dedilhada
e fala à maneira de canto inaudível.
Afina-se o plano pelo retesamento da reta.


V
Oitavas de silêncio
não existem e não ecoam. Intervalos
de escuridão desagregam-se
infinitamente. Não bebais
a escuridão
, disse Pitágoras,
a alma não pode tornar-se pura escuridão.
Talvez
. Talvez.

Robert Bringhurst

11.5.04

Mário de Andrade



Escritor de nome disse dos meus amigos e de
mim ou que éramos gênios ou bestas. Acho que
tem razão. Sentimos, tanto eu como meus amigos,
o anseio do farol. Se fôssemos tão carneiros a
ponto de termos escola coletiva, esta seria por
certo o "Farolismo". Nosso desejo: alumiar. A
extrema esquerda em que nos colocamos não
permite meio-termo. Se gênios: indicaremos o
caminho a seguir; bestas: naufrágios por evitar.



Descobrimento

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De sopetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.




Oswald de Andrade

Recordação do país infantil A estação da estrela d'alva. Uma lanterna de hotel. O mar cheiinho de siris. Um camisolão. Conchas. Vamos à praia das Tartarugas! O menino foi pegado dando, atrás do monte de areia. O carro plecpleca nas ruas. O trem vai vendo o Brasil. O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e de gente dizendo adeus. Depois todos morrem. Verbo Crackar Eu empobreço de repente Tu enriqueces por minha causa Ele azula para o sertão Nós entramos em concordata Vós protestais por preferência Eles escafedem a massa Sê pirata Sêde trouxas Abrindo o pala Pessoal sarado. Oxalá que eu tivesse sabido que esse verbo era irregular. Oswald de Andrade

10.5.04

Caçadores de ilhas


A ilha procurada
foge de quem a procura
por ser ilha ensimesmada.

Caçadores de ilhas
conhecem a lição
ilhada:
são caçadores de Tétis
na ilha dos amores
que não se dá por achada.

Há duas feições de ilha
em escala solidária.

Uma feição de ilha
é a ilha jorge de lima
que já no mundo lusíada
por máquina do mundo
passava.

Nessa ilha,
caçadores de ilha
como máquina
põem no futuro a mira
sobre a ilha
de uma utopia caçada.

Outra feição de ilha
é a ilha drummondiana
escassa.
Sem as águas de ilha navegada
é ilha camoniana
já clássica.

É ilha do mesmo mundo
que se abre como máquina,
sendo pedra que se fecha
para a perda do poeta
que se busca
sem palavra.

Em dupla escala
as duas feições de ilha
são a mesma solidária:

tanto numa como noutra
nenhuma utopia é dada.
Toda ilha é ilha
ensimesmada.


Mário Chamie




7.5.04

Marquês de Sade

O professor filósofo


De todas as ciências que se inculca na cabeça de uma criança quando se trabalha em sua educação, os mistérios do cristianismo, ainda que uma das mais sublimes matérias dessa educação, sem dúvida não são, entretanto, aquelas que se introjetam com mais facilidade no seu jovem espírito. Persuadir, por exemplo, um jovem de quatorze ou quinze anos de que Deus pai e Deus filho são apenas um, de que o filho é consubstancial com respeito ao pai e que o pai o é com respeito ao filho etc., tudo isso, por mais necessário à felicidade da vida, é, contudo, mais difícil de fazer entender do que a álgebra, e quando queremos obter êxito, somos obrigados a empregar certos procedimentos físicos, certas explicações concretas que, por mais que desproporcionais, facultam, todavia, a um jovem a compreensão do objeto misterioso.

Ninguém estava mais profundamente afeito a esse método do que o abade Du Parquet, preceptor do jovem conde de Nerceuil, de mais ou menos quinze anos e com o mais belo rosto que é possível ver.

— Senhor abade — dizia diariamente o pequeno conde a seu professor. — Na verdade, a consubstanciação é algo que está além das minhas forças. É-me absolutamente impossível compreender que duas pessoas possam formar uma só: explicai-me esse mistério, rogo-vos, ou pelo menos colocai-o a meu alcance.

O honesto abade, orgulhoso de obter êxito em sua educação, contente de poder proporcionar ao aluno tudo o que poderia fazer dele, um dia, uma pessoa de bem, imaginou um meio bastante agradável de dirimir as dificuldades que embaraçavam o conde, e esse meio, tomado à natureza, devia necessariamente surtir efeito. Mandou que buscassem em sua casa uma jovem de treze a quatorze anos, e, tendo instruído bem a mimosa, fez com que se unisse a seu jovem aluno.

— Pois bem — disse-lhe o abade. — Agora, meu amigo, concebei o mistério da consubstanciação: compreendeis com menos dificuldade que é possível que duas pessoas constituam uma só?

-- Oh! meu Deus, sim, senhor abade — diz o encantador energúmeno. — Agora compreendo tudo com uma facilidade surpreendente. Não me admira esse mistério constituir, segundo se diz, toda a alegria das pessoas celestiais, pois é bem agradável quando se é dois a divertir-se em fazer um só.

Dias depois, o pequeno conde pediu ao professor que lhe desse outra aula, porque, conforme afirmava, algo havia ainda "no mistério" que ele não compreendia muito bem e que só poderia ser explicado celebrando-o uma vez mais, assim como já o fizera. O complacente abade, a quem tal cena diverte tanto quanto a seu aluno, manda trazer de volta a jovem e a lição recomeça, mas, desta vez, o abade particularmente emocionado com a deliciosa visão que lhe apresentava o belo pequeno de Nerceuil consubstanciando-se com sua companheira, não pôde evitar colocar-se como o terceiro na explicação da parábola evangélica, e as belezas por que suas mãos haviam de deslizar para tanto acabaram inflamando-o totalmente.

— Parece-me que vai demasiado rápido —diz Du Parquet, agarrando os quadris do pequeno conde. — Muita elasticidade nos movimentos, de onde resulta que a conjunção, não sendo mais tão íntima, apresenta bem menos a imagem do mistério que se procura aqui demonstrar. Se fixássemos, sim... dessa maneira — diz o velhaco, devolvendo a seu aluno o que este empresta à jovem.

— Ah! Oh! meu Deus, vós me fazeis mal— diz o jovem. — Mas essa cerimônia parece-me inútil. O que ela me acrescenta com relação ao mistério?

-- Por Deus! — diz o abade, balbuciando de prazer. — Não vedes, caro amigo, que vos ensino tudo ao mesmo tempo? É a trindade, meu filho... é a trindade que hoje vos explico. Mais cinco ou seis lições iguais a esta e sereis doutor na Sorbonne.


Marquês de Sade, em "Contos Libertinos".


2.5.04

A vita stá dificille p'ra burro! Us frigueiz nom vó maise nu saló afaze a barba. Tuttos gompra una navaglia Gigollette per trezentó i faiz a barba in casa a settimana intirinha. A literattura non dá maise nada! Anticamente io afaceva unos versinho p'ros namurado dá p'ras anamuradas i acanhava unos caraminguado. Oggi inveiz illos non quere sabe maise di verso -- pega a piquena, amunta na baratina e sái, comme un empiastro...


Juó Bananére, barbieri i giurnaliste, 1933, Zan Baolo.


1.5.04

Baudelaire



Quero, para compor os meus castos monólogos
Deitar-me ao pé do céu, assim como os astrólogos,
E, junto aos campanários, escutar sonhando
Solenes cânticos que o vento vai levando.
As mãos sob meu queixo, só, na água-furtada,
Verei a fábrica em azáfama engolfada;
Torres e chaminés, os mastros da cidade,
E o vasto céu que faz sonhar a eternidade.

É doce ver, em meio à bruma que nos vela,
Surgir no azul a estrela e a lâmpada à janela,
Os rios de carvão galgar o firmamento
E a lua derramar seu suave encantamento.
Verei a primavera, o estio, o outono; e quando
Com seu lençol de neve, o inverno for chegando,
Cada postigo fecharei com férreos elos
Para na noite erguer meus mágicos castelos.
Hei de sonhar então com azulados astros,
Jardins onde a água chora em meio aos alabastros,
Beijos, aves que cantam de manhã e à tarde,
E tudo o que no Idílio de infantil se guarde.
O Tumulto, golpeando em vão minha vidraça,
Não me fará volver a fronte ao que passa,
Pois que estarei entregue ao voluptuoso alento
De relembrar a Primavera em pensamento
E um sol na alma colher, tal como quem, absorto,
Entre as idéias goza um tépido conforto.


Charles Baudelaire, em "Quadros Parisienses" das Flores do Mal.