26.6.13

Francisco de Quevedo - 3 sonetos

AMOR ME OCUPA EL SESO Y LOS SENTIDOS 
Amor me ocupa el seso y los sentidos;
absorto estoy en éxtasi amoroso;
no me concede tregua ni reposo
esta guerra civil de los nacidos.

Explayóse el raudal de mis gemidos
por el grande distrito y doloroso
del corazón, en su penar dichoso,
y mis memorias anegó en olvidos.

Todo soy ruinas, todo soy destrozos,
escándalo funesto a los amantes,
que fabrican de lástimas sus gozos.

Los que han de ser, y los que fueron antes,
estudien su salud en mis sollozos,
y envidien mi dolor, si son constantes.



LA VOZ DEL OJO, QUE LLAMAMOS PEDO 

La voz del ojo, que llamamos pedo
(ruiseñor de los putos), detenida,
da muerte a la salud más presumida,
y el proprio Preste Juan le tiene miedo.

Mas pronunciada con el labio acedo
y con pujo sonoro despedida,
con pullas y con risa da la vida,
y con puf y con asco, siendo quedo.

Cágome en el blasón de los monarcas
que se precian, cercados de tudescos,
de dar la vida y dispensar las Parcas.

Pues en el tribunal de sus greguescos,
con aflojar y comprimir las arcas,
cualquier culo lo hace con dos cuescos.




YO TE UNTARÉ MIS OBRAS CON TOCINO 

Yo te untaré mis obras con tocino,
porque no me las muerdas, Gongorilla,
perro de los ingenios de Castilla,
docto en pullas, cual mozo de camino.

Apenas hombre, sacerdote indino,
que aprendiste sin christus la cartilla;
chocarrero de Córdoba y Sevilla,
y, en la Corte, bufón a lo divino.

¿Por qué censuras tú la lengua griega
siendo sólo rabí de la judía,
cosa que tu nariz aun no lo niega?

No escribas versos más, por vida mía;
aunque aquesto de escribas se te pega,
por tener de sayón la rebeldía.




18.6.13

Vinagre - uma antologia de poetas neobarracos (junho 2013)



ELE SE pergunta
 onde dará essa estrada
 Não sabemos
 se podemos trafegar ao infinito
 Não sabemos
 se somos livres
 porque não estamos
 enclausurados

E ainda sem saber
nos lançamos
juntos
Sabemos
pela rua, no asfalto
entre palavras fugitivas
infratoras
desatadas de seus esconderijos
das paredes de suas cascas


Carla Kinzo

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5.6.13

Tite de Lemos





QUANDO PROCURO MUITO EU SINTO QUE AGONIZO

QUANDO ME AUSENTO EU SINTO MUITO QUE PRECISO

DE UM GOLE OU DOIS DE ABSINTO EU NÃO TENHO JUÍZO

OS MARES MUSCULOSOS DANTES ERAM LISOS

PRETENDO HOJE SAIR PARA FISGAR BALEIAS

ANTIGAMENTE AS BESTAS-FERAS ERAM BELAS

NÃO SEI POR QUE RAZÃO FICARAM ASSIM FEIAS

ARREIA OS BURROS AS CHARRETES CARAVELAS

QUE EU VOU SAIR PARA COLHER A FLOR MAIS RARA

QUANDO GARIMPO TANTO ASSIM FICO SOMBRIO

NO CÉU ESCURO A LUA CONTINUA CLARA

A LUA CONTINUA NUA E EU NÃO SORRIO

NEM CHORO SOBRE AS ÁGUAS LINDÍSSIMA BÓIA

COMO NUM BERÇO OU NUM ESQUIFE AQUELA JÓIA



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14 tortuosas linhas, 13
labirintos sem fim e sem começo,
12 portas lacradas, 11 vezes
forçadas, talvez 10, até me esqueço.

9 questões de lógica celeste
ou 8 jogos de adivinhação,
7 ou 6 tentativas, todas vãs,
de escutar o que ainda não disseste.

5 metáforas jogadas fora
quando quero dizer-te que te adoro.
4 rimas rebeldes, 3 tropeços,

2 tombos e no entanto, finalmente,
nada que não pudesse resolver-se
em 1 simples bilhete adolescente.


3.6.13

Luís Miguel Nava


Sem outro intuito 


Atirávamos pedras 

à água para o silêncio vir à tona. 
O mundo, que os sentidos tonificam, 
surgia-nos então todo enterrado 
na nossa própria carne, envolto 
por vezes em ferozes transparências 
que as pedras acirravam 
sem outro intuito além do de extraírem 
às águas o silêncio que as unia.



A preto e branco


Uma mulher encosta-se a um muro, encosta-se à memória. Veste de uma maneira simples, uma blusa, uma saia cobrindo os joelhos, talvez uns tamancos. Tem ainda, amarrado à cabeça, um lenço negro, negros aliás e brancos todos os tons em que se veste, negros os tamancos, um casaco de lã sobre a blusa, negras ainda algumas das riscas da saia, brancas as outras, como a blusa. Encosta-se ao muro aonde cola as costas, os ombros e depois uma das faces, assim é mais fácil ver-lhe o rosto. As mãos encostá-las-ia também se não segurasse um lenço branco. Aperta-o entre os dedos, fá-lo passar entre eles, uma pequena serpente. Ou então amarrota-o, faz das palmas das mãos uma concha onde o esconde, o lenço assim desaparece totalmente, apenas as mãos se vêem projectadas para a frente, dir-se-ia que rezam. Depois sempre ocultando o lenço, levam-no ao rosto novamente de perfil, tudo a preto e branco ainda, ou é o rosto que desce até às mãos, mergulha no lenço, talvez este e a língua se procurem, uma língua pelo lenço adiante, uma língua é provável que vermelha, não, é tudo ainda muito a preto e branco, é tudo ainda demasiado a preto e branco para permitir um pormenor vermelho. 







Paixão

Ficávamos no quarto até anoitecer, ao conseguirmos 
situar num mesmo poema o coração e a pele quase podíamos 
erguer entre eles uma parede e abrir 
depois caminho à água. 

Quem pelo seu sorriso então se aventurasse achar-se-ia 
de súbito em profundas minas, a memória 
das suas mais lonquínquas galerias 
extrai aquilo de que é feito o coração. 

Ficávamos no quarto, onde por vezes 
o mar vinha irromper. É sem dúvida em dias de maior 
paixão que pelo coração se chega à pele. 
Não há então entre eles nenhum desnível.