28.3.12

Oswald de Andrade





















Súbito [Miss Barbara] teve um enjoo e deu de cara, no banco fronteiro, com Rodolfo Valentino. 

O enjoo passara, mas vinha de novo. Rodolfo Valentino fitava-a. Aquele olhar fixo de sheik, debaixo da cartolinha arrepiada. Ela estava pálida, transfigurada. Era ele! Não morrera. Revirou os olhos. Ia desfalecendo em cima de uma inglesa de óculos e chapéu de palha. Rodolfo levantou-se, amparou-a. 

Quando Miss Barbara Battlefield abriu os olhos de novo, estava deitada de comprido num banco da popa. 

Ao seu lado, só, de cartolinha, Rodolfo Valentino.

O diálogo que houve foi numa língua sem dicionário possível, mas facilmente traduzida pela fotogenia de ambos. 

- Por que o senhor está aqui?
 - Chi! lo sá?
 - O senhor é médico?
 Gesto afirmativo, categórico.
 - Especialista de quê?
 Gesto indicando o estômago. Ela sorriu.
 - Já passou...
 Silêncio. Olhar de sheik. Ela sorriu de novo. Perguntou:
 - Quantos médicos há?
 - Chi! lo sá?
 Silêncio. Olhar de sheik. Ela contou:
 - Eu nasci torta...
 Conversaram a tarde toda, depois do desembarque azul, em Capri. De vez em quando, o sheik dizia:
 - Chi! lo sá?

E foi assim que Champoglione Vespa conquistou num tiro a alma, o corpo e a fortuna da neta do Rei do Óleo de Fígado de Bacalhau.


Oswald de Andrade, em "O sucessor de Rodolfo Valentino", Jornal do Commercio, 28.10.1926.