I
Sospecho que el viento fuerte podría derribar
aquel arbolito recién plantado por la municipalidad
no es que se valla a romper en mil partes por la caída
pero a ninguna forma amable le sienta bien un golpe.
II
La suerte renuncia al señor un día cualquiera
alguien lo atropella con un auto le pasa por arriba
queda tirado en la calle y le roban sus pertenencias
más tarde una ambulancia lo recoge y es llevado
a una cama brillante que hay en el hospital de la zona.
Las sábanas limpias acarician una pila de huesos rotos.
III
El agua de lluvia empalma las veredas
el charco cubre la extensión de la calle
para cruzar la gente arremanga sus pantalones
o camina una cuadra hasta llegar
al puente gris recientemente inaugurado.
IV
Hace varios días murió un perro en la autopista
fue aplastado por un camión que hizo una mala maniobra
los pelos y los huesos siguen pegados en el asfalto
parecen una alfombra marrón que la mujer estándar
compraría para decorar algún rincón del living-comedor.
V
Adentro de la habitación había una sombra
sin embargo me deshice de la imagen tan pronto como pude
la dejé moverse como un fantasma delante del cuerpo
la abandoné como un verso que renuncia la cadencia
o como se abandonan las mascotas en verano
con ese dolor que pronto es compensado
por el mar y la brisa de la playa.
VI
Transito por la calle escuchando la radio
en el camino voy dejando algunos paquetes
hasta los objetos más preciados pueden abandonarse
con un gesto torpe en un tiempo muerto.
Mariana Suozzo
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Tem dois tipos de poesia. A que contraria expectativas. E a que satisfaz uma demanda. Exemplo da primeira: poesia concreta. Exemplo da segunda: Thiago de Melo, Ferreira Gullar, Carlos Nejar etc.
Quero deixar claro que desejo o mesmo tipo de sociedade que Thiago de Melo deseja. Pelo menos na organização econômica. No terreno estético, porém, a esquerda brasileira, os artistas engajados e alinhados com a transformação da sociedade são o fim da picada.
Jdanovistas, naturalistas (e não realistas, como pensam ser), sectários, populistas, correspondem àquilo que, na URSS, chamou-se proletcult. Em contraposição ao grupo LEF, liderado por Maiakovski, e que defendia a vanguarda como nova arte do proletariado triunfante, a proletcult defendia uma literatura velha, só que com temas operários e populares. Essa literatura velha era o bom romance burguês do século 19, suas formas e técnicas. O poemão e a versalhada.
O problema dos proletcultistas brasileiros (nacional-populistas) é que eles não chegam ao povo, no duro. Como? O povo é analfabeto ou vê TV. Então eles fantasiam tudo na cabeça deles. A presença do povo, a atuação do escritor. Até a revolução. Mas é tudo imaginário. No duro, o que eles querem é vender livros, aparecer, trabalhar na rede Globo e -- last but not the Franz Liszt! -- GANHAR PODER. A arte que eles fazem fica dentro da intelectualidade pequeno-burguesa mesmo, em noites de autógrafos.
Versinhos participantes ingênuos são hoje a classe dominante da poesia brasileira. Com esse país que taí, realmente a raiva é tanta que tudo que a gente puder jogar contra esse sistema a gente joga: até sonetos! A merda é que esses versinhos participantes, como linguagem, já foram feitos, estão consagrados e fazem parte do Panteão burguês: é o Drummond da Rosa do Povo de 1940. Agradam, não agridem. Aquela poesia do Drummond só era nova para os padrões brasileiros. Na realidade, no mundo inteiro, estavam fazendo aquele tipo de poesia: Neruda, Éluard etc. Aliás, até o nome do livro "Rosa do Povo" vem de fora. Bem antes, Éluard publicara um livro de poemas: "La Rose Publique".
Essa poesia participante de hoje é a diluição intensiva da poesia antifascista da época da Segunda Guerra e da Resistência. Quer dizer, os "revolucionários" estão com o relógio poético atrasado quase cinquenta anos!
Eu não acredito nos revolucionarismos de contistas realistas. Os homens de letras engajados que se vê por aí são oportunistas. Eles jogam numa dupla: se a revolução ocorrer, eles estarão muito bem, nos empregos e nos compêndios. Se ela demorar, sempre tem uma vaga de roteirista na TV Globo ou uma cadeira dando sopa na Academia Brasileira de Letras.
A revolução que esses caras querem é bem pequenininha.
Eu quero uma grande. A grande. A total.
O Satori Coletivo.
O homem de Guevara, além de todas as alienações.
Das literárias, inclusive.
Tudo pode ser recuperado via moda. Revival. Nostalgia. Nosso tempo é o tempo da recuperação da informação. A multiplicação das técnicas de reprodução e o progresso das técnicas de registro tornam todas as épocas contemporâneas, no terreno intelectual, cultural e artístico. A crise da poesia é o momento em que a poesia é atingida pelo impacto dos outros códigos (visuais, musicais, gestuais etc.). E seu campo de possibilidades se multiplica pelo número de códigos com os quais pode cruzar. A rua manda na página. A rua com seus poderes múltiplos. A maré das ruas bate na porta das casas, cerca a página. Na página, o passado se defende. A página é a casa. A memória. O sentido. Os significados. Na rua, nascem sempre os novos significados.
Dever do poeta é manter acesa a chama e a ideia de poesia. A noção de uma atividade radical, crítica e utópica. Na linguagem. Não apenas conteúdos edificantes e pios temas veiculados através de um discurso convencional e recebido passivamente. Um poeta deve, sobretudo, agenciar os meios para poder continuar sendo poeta. Até os 21 anos, todo mundo é poeta. O foda é depois. Daí você tem de provar. Poucos resistem. Noventa e nove por cento dos que fazem poesia hoje, dentro de dez anos estarão fazendo outra coisa. Poesia não é brincadeira. É loucura mesmo. É nadar contra a corrente. Produzir o antidiscurso. E, principalmente, evitar coisas como o sucesso e a consagração. Aquilo que o sistema canoniza como boa poesia é apenas a poesia que ele consegue vender. Edições bem-sucedidas não fazem a boa poesia. Tem que segurar a barra sem parar. Senão acaba desfrutável como Drummond. Ou acadêmico como João Cabral.
Toda poesia que é poesia mesmo é experimental. Poesia de invenção. Todo poeta tem estes momentos. Você os encontra em Bandeira. Em Drummond. Nos músicos poetas, Gil, Caetano, Chico. São eles, esses momentos, que valem. O resto é moldura. O recheio de prosa sem o que não se vive.
Os poetas das mais novas gerações são às vezes naturalmente "experimentais". Experimental é a atitude que contesta e questiona as formas do passado, a poesia desautomatizada, a que pratica a subversão de nos despertar da hipnose das formas tradicionais, que a burguesia mima, promove em suas universidades, premia em seus Concursos porque FORMAS TRADICIONAIS VENDEM. A ordem literária exprime a mesma ordem que reprime e explora o operário. E os versinhos que se dizem a favor dos operários vendem que nem pão: um fenômeno mercantil, como qualquer outro. O poemão e a versalhada trazem na pele a marca de suas origens burguesas. E até latifundiárias... Com temas populistas, são caridade cristã. Alívio da consciência pesada do intelectual da classe média.
Não há dúvida: quanto mais poético, mais político. E o experimental é a poesia mais antiprosa. Experimental é o risco. Não concebo poesia sem risco.
O maior inimigo da poesia é a literatura. A literatura é a legalidade poética. Ora, a poesia -- se tem um sentido -- é ser uma atividade ilegal, marginal, criminosa, em termos de linguagem. Então, viva a poesia! Abaixo a literatura!
A poesia se manifesta em experiências falhas. Discutíveis. Inclassificáveis. O discurso automatizado que se pratica por aí, com o nome pomposo de P-p-p-oesia, só é bom para as editoras e academias, o aparato repressivo do texto.
Poesia é lógica e linguagem insurretas.
Poesia é extremismo.
Poesia média é prosa. Empilhada em versinhos. Ou acondicionada em estrofes. O sistema insiste em dizer que sabe o que é poesia.
Mentira.
Pergunte aos poetas.
Ninguém sabe o que é poesia.
Ainda bem.
(Paulo Leminski, em artigo escrito para a revista Gandaia, n.6, abril de 1980.)