30.8.02

Beckett

"Eu sorrio ainda não vale mais a pena há muito tempo não vale mais a pena a língua ecoa vai na lama continuo assim mais sede a língua entra na boca se fecha ela deve fazer uma linha reta no momento está feita eu fiz a imagem."

--- "A Imagem".

Nelson Rodrigues

"O brasileiro não sabe ser inteligente com naturalidade. Vejam o francês. Jean-Paul Sartre, por exemplo. É um homem que inspira, aqui, admirações abjetas. Dizem: "A maior cabeça do mundo." Pois Sartre é inteligente com relativo tédio. E, por vezes, ele tem o que eu chamaria de "a nostalgia da burrice". Nessas ocasiões, diz as bobagens mais hediondas. Do mesmo modo o inglês, que também é inteligente sem espanto, sem angústia, sem deslumbramento. E não há mistério. O inglês, ou francês, encontra a língua feita e repito: um idioma que pensa por ele. Uma lavadeira parisiense é uma estilista, um cocheiro fala como um grã-fino de Racine. Ao passo que nós temos de recriar, dia após dia, a nossa língua e pensar em péssimo estilo."

--- Em crônica de "O Óbvio Ululante".

27.8.02

Elizabeth Bishop

ONE ART


The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
-


Teoria geral dos chatos

Jaguar em seu livro "Confesso que bebi" descreve a teoria geral dos chatos de Tom Jobim e por que este frequentava a churrascaria Plataforma, no Rio. Dizia Tom: "Grandes ambientes confundem o chato, ele se desconcentra. Ai de ti quando o chato consegue te encurralar num canto de bar, sem óculos escuros. Bloqueia a passagem, olho no olho, te toca, te enche de perdigotos. Aí não tem escapatória... Óculos escuros é fundamental. O chato exige atenção pupilar. Sem saber para onde você está olhando, ele perde o moral, aí você aproveita o momento de fraqueza e escapa."
-

25.8.02

Hilda Hilst

"Eu tenho oito anos. Eu vou contar tudo do jeito que eu sei porque mamãe e papai me falaram para eu contar do jeito que eu sei. E depois eu falo do começo da história. Agora eu quero falar do moço que veio aqui e que mami me disse agora que não é tão moço, e então eu me deitei na minha caminha que é muito bonita, toda cor-de-rosa. E mami só pôde comprar essa caminha depois que eu comecei a fazer isso que eu vou contar. Eu deitei com a minha boneca e o homem que não é tão moço pediu para eu tirar a calcinha. Eu tirei. Aí ele pediu para eu abrir as perninhas e ficar deitada e eu fiquei. Então ele começou a passar a mão na minha coxa que é muito fofinha e gorda, e pediu que eu abrisse as minhas perninhas. Eu gosto muito quando passam a mão na minha coxinha. Daí o homem disse pra eu ficar bem quietinha, que ele ia dar um beijo na minha coisinha. Ele começou a me lamber como o meu gato se lambe, bem devagarinho, e apertava gostoso o meu bumbum. Eu fiquei bem quietinha porque é uma delícia e eu queria que ele ficasse lambendo o tempo inteiro, mas ele tirou aquela coisona dele, o piupiu, e o piupiu era um piupiu bem grande, do tamanho de uma espiga de milho, mais ou menos. Mami falou que não podia ser assim tão grande, mas ela não viu, e quem sabe o piupiu do papi seja mais pequeno, do tamanho de uma espiga mais pequena, de milho verdinho. Também não sei, porque nunca vi direito o piupiu do papi. O moço pediu pra eu dar um beijinho naquela coisa dele tão dura. Eu comecei a rir um pouquinho só, ele disse que não era pra rir nem um só pouquinho, que atrapalhava ele se eu risse, que era pra eu ficar quietinha e lamber o piupiu dele como a gente lambe um sorvete de chocolate ou creme, de casquinha, quando o sorvete está no comecinho. Então eu lambi. Aí ele disse pra esperar, e foi até aquela mesinha do meu quarto perto do espelho. É um espelho bem comprido, em volta tem pintura cor-de-rosa, ele pediu para eu ficar deitadinha nas almofadas do chão na frente do espelho com as pernas bem abertas. Eu fiquei. Aí ele tirou da malinha dele uma pasta que parecia pasta de dente grande e apertou a pasta e deu pra eu experimentar e tinha gosto de creme de chocolate. Ele passou o chocolate no piupiu dele, aí eu fui lambendo e era demais gostoso, e o moço falava: ai que gostoso, sua putinha. Eu também achava uma delícia mas não falei nada porque se eu falasse tinha de parar de lamber."

--- Hilda Hilst, no polêmico livro "O Caderno Rosa de Lori Lamby", 1990, Massao Ohno, SP.

19.8.02

Raymond Chandler

"Ele caminhou em direção à porta, parou no meio do caminho olhando para o sol no carpete, olhou de novo para ela rapidamente e então saiu.
Quando a porta se fechou, ela se levantou e foi até o quarto de dormir e se deitou na cama assim mesmo como estava, de casaco. Olhou para o teto. Depois de bastante tempo, ela sorriu. No meio do sorriso, pegou no sono."

-- Raymond Chandler, dando um fecho brilhante a "Armas no Cyrano's".