3.5.14

Assionara Souza



Mas de quem, afinal, temos ouvido falar
quando se fala de literatura?

Também não sei 
Só sei que sonhei com a Joana 
a semana passada
Estávamos, as duas, num evento literário
muito importante, de alguém importante
Um desses senhores que têm feito da literatura
uma coisa burra e desconfortável, 
em seus trajes alinhados e cerimoniais
Eu vi a Joana e pensei: a Joana, por aqui,
mas ela não estava morta?
Eu sabia que sim, ela não...
E estava tão linda, como sempre
O cabelo bem curto, preto
como uma daquelas atrizes dos anos 30
Falou baixo, me confessando:
Não sei o que anda acontecendo comigo,
tenho me sentido estranha...
Eu, sempre falsa, não podia jamais dizer:
Será que é porque você morreu, Jô?
Ela tentou me cumprimentar
Mas caiu com todo o corpo
Num canto da sala
Logo em seguida, levantou-se e disse:
Viu?, tem sido assim, ultimamente
Tudo muito estranho...


E sei, Joana. E virando as páginas
de seu preciosíssimo livro tão pouco lido
lamento tanto de não nos termos conhecido mais,
nos festejado mais, longe das festas literárias e tais
desses senhores bem trajados e escovados e desconfiados

Agora eu imagino Joana lendo esse texto
aqui ao lado enquanto escrevo
E sabendo de tudo
Que ela está morta, que a literatura é algo fragilíssimo
E que todos nós nos sentimos um pouco mortos
e envergonhadíssimos, depois que ela morreu...