6.2.14

O cardápio do Titanic





Na manhã do dia 14 de abril de 1912, exatamente às 5 horas da manhã, os mais de 60 chefs e assistentes, bem como um turno de 72 homens de cozinha, iniciavam sua jornada diária para preparar as refeições dos 2.228 passageiros e tripulantes (337 na primeira classe, 285 na segunda e 721 na terceira, além de 885 tripulantes) do R.M.S. Titanic, orgulho da indústria naval da época em sua viagem inaugural.

O Titanic era um transatlântico composto por 46.328 toneladas de ferro e aço, equipado com o que havia de mais luxuoso na época, com 9 deques espalhados por 54 metros de altura e 268 metros de comprimento. Suas 29 caldeiras consumiam 825 toneladas de carvão por dia para impulsionar os 2 motores e 4 turbinas do navio. Suas 840 cabines eram divididas em 416 de primeira classe, 162 de segunda e 262 de terceira mais 40 dormitórios coletivos. Construído ao custo de US$ 7,500,000.00, algo como US$ 400,000,000.00 de hoje, o Titanic cobrava entre US$ 4,350.00 (algo como US$ 70 mil de hoje) por uma suíte, passando por US$ 150 (US$ 2,400.00 de hoje) por uma cabine de primeira, US$ 60.00 por uma de segunda e US$ 40.00 por uma de terceira classe. Apenas para referência, um mestre soldador que trabalhou na construção do navio ganhava US$ 10 por mês.

Por este preço, além das 5 refeições diárias, o passageiro encontrava a seu dispor um ginásio com esteiras, bicicletas estacionárias e, novidade da época, um cavalo elétrico! Isso além da primeira piscina aquecida já construída em um navio, banhos turcos e uma quadra de squash. Para completar, 2 salões de barbeiro (um exclusivo para a primeira classe) com os primeiros dispensers automáticos de xampu da época, salas de fumantes exclusivas para os homens (apenas para os passageiros de primeira e segunda classes) e uma biblioteca de 2.000 volumes com respectiva sala de leitura.

O Titanic ainda contava com o Parisian Café (com garçons vindos da França), o Veranda Café (com palmeiras reais em sua decoração), luz elétrica e aquecimento em todas as cabines (o único navio da época a oferecer tal conveniência), 4 elevadores elétricos, os primeiros a serem instalados em um navio (3 para a primeira classe e 1 para a segunda), enfermaria com 2 médicos e 4 enfermeiros (equipada para cirurgias de emergência), central telefônica elétrica para intercomunicação entre cabines (também o primeiro navio a oferecer tal conveniência), restaurante à la carte exclusivo para a primeira classe e com acesso apenas mediante reservas.

Em seu rol de bagagens, registradas como bagagem acompanhada, ou seja, bagagem extraordinária, constava entre outros:

1 Renault 35hp do sr. William Carter
1 Máquina de fabricar geleias da sra. Edwina Trout
1 Quadro de Blondel, “La Circasianne au Bain”, do sr. Hokan Bjrnstron-Steffanson
7 Torot do sr. Hersh L. Sielbald
50 caixas de pastas de dentes de Park & Tilford
1 baú de porcelanas raras da Tiffany
5 pianos de cauda
1 exemplar único do livro Rubáiyát de Omar Khayýam. A encadernação em folhas 
de ouro com mais de mil pedras preciosas
4 baús de ópio
Além de 3.364 sacolas de correio e 800 sacolas de malotes e cartas registradas

Os cozinheiros preparavam comida para abastecer os 3 salões de refeições, sendo que só o da primeira classe tinha 970 m2, acomodando em sua movelaria e decoração Empire e Regency 554 pessoas, além dos bares, cafés e quiosques. O restaurante à la carte, conhecido como Ritz, embora este não fosse seu nome, tinha sua própria equipe, sob o comando do chef Rousseau e do maître Luigi Gati, este contratado a peso de ouro para sair do afamado Ritz de Londres.Todo este exército de cozinheiros e assistentes tinha à sua disposição o seguinte rol de suprimentos:

Carne fresca - 33.750 k
Peixe fresco - 4.950 k
Peixe seco - 1.800 k 
Ostras frescas - 1.221 barris
Bacon e presunto - 3.375 k 
Frangos e patos - 11.250k 
Ovos frescos - 40.000 
Linguiça - 1.125 k
Batatas - 40.000 k 
Cebolas - 1.575 k
Tomates - 1.575 k 
Aspargos frescos - 800 maços 
Ervilhas frescas - 1.125 k
Alface - 7.000 pés
Miúdos de vitela - 450 k 
Sorvetes diversos - 788 k
Café - 990 k
Chá - 360 k
Arroz e feijão - 4.500 k
Açúcar - 4.500 k 
Farinha - 250 barris
Cereais matutinos - 4.500 k
Maçãs - 36.000 
Laranjas - 36.000
Limões - 16.000
Uvas - 450 k 
Grapefruits - 13.000 
Geleias - 504 k 
Leite - 5.670 l 
Creme de Leite - 300 l
Leite Condensado - 2.268 l
Manteiga - 2.700 k
Cerveja - 15.000 garrafas
Vinhos - 1.000 garrafas
Destilados - 850 garrafas 
Água Mineral - 1.200 garrafas
Charutos - 8.000

E, com estas matérias-primas, produziram o cardápio que a seguir reproduzimos. O cardápio do salão da primeira classe é exatamente aquele que foi servido na trágica última noite do navio, que, por ter sido impresso, pôde ser recuperado. Muitas das receitas são originais, outras são recriações a partir de costumes e ingredientes da época. O serviço era todo em baixelas de prata, levadas por carrinhos a cada mesa por um garçom e um cumim, que serviam à francesa, cada uma das opções. Não havia um sommelier a bordo, e os garçons sugeriam o vinho conforme o cardápio e o gosto do cliente.

CARDÁPIO DO SALÃO DA PRIMEIRA CLASSE

Hors D’oeuvre
O cardápio original não especificava o tipo de canapé, foi escolhido o L’Amiral por ser um clássico da White Lines, proprietária do navio.

Canapés à la Amiral – canapés feitos de finas fatias de baguete torradas com manteiga de camarões e fatias de limão.
Oysters à la Russe – Ostras frescas servidas com um molho de vodca, raiz forte, cebolinhas e limão.
Vinhos: Bordeaux branco, Burgundy branco e Chablis para as ostras.

Soups
Era um costume da época oferecer um caldo claro e um creme como opções para um jantar de cerimônia.

Consommé Olga – Seria um consommé normal não fosse o ingrediente secreto chamado vésiga, a espinha dorsal do esturjão, que era hidratada por 5 horas e depois cozida por mais 3, para soltar seu sabor e sua consistência gelatinosa.
Cream of Barley Soup – Sopa cremosa de cevada temperada com whisky.
Vinhos: Madeira ou Sherry.

Fish
Curiosamente, não eram frequentes os pratos de peixe em navios da época, possivelmente pelos problemas de conservação.

Poached Salmon with Mousseline Sauce – Posta de salmão cozida com molho holandês batido com creme.
Vinhos: Branco Seco do Reno ou Moselle.

Entrées 
Ao contrário de hoje, as entrées em navios eram pequenas porções onde os chefs mostravam suas grandes especialidades.

Filet Mignon Lili – A quintessência do período eduardiano: um medalhão de filet grelhado, coberto por fatias de foie gras e trufas, servido sobre um leito de batatas Anne (uma camada de batatas cortadas em fatias finíssimas, assada na manteiga até dourar). 
Chicken Lyonnaise – Frango cozido longamente num molho de cebolas, alho, vinho branco e tomilho. Considerado um dos pratos mais saborosos do menu.
Vegetable Marrow Farci – Um tipo de abobrinha muito raro (Marrow Squash), encontrado na Europa por 4 a 5 semanas durante o ano, recheado com uma mistura de arroz, cogumelos e ervas.
Vinho: Bordeaux tinto.

Removes
São os pratos principais do jantar: mais pesados e normalmente nas maiores porções.

Lamb with Mint Sauce – Pernil de carneiro assado e depois cozido em vinho tinto acompanhado de molho de hortelãs frescas.
Calvados-Glazed Roast Duckling with Applesauce – Pato inteiro assado com glacê à base de calvados com purê de maçãs.
Roast Sirloan of Beef Forestière – Filet Mignon assado em peça com molho à base de champignons, vinho e cebolas.
Chateâu Potatoes – Batatas cortadas em formato de joias, assadas na manteiga.
Minted Green Pea Timbales – Pudim de claras, ervilhas e hortelã, assado em banho-maria.
Creamed Carrots – Purê de cenouras cozidas com canela.
Boiled Rice – Arroz.
Parmentier and Boiled Potatoes – Batatas cozidas e assadas.
Vinhos: Tinto Burgundy ou Beaujolais.

Punch or Sorbet

Punch Romaine – Receita imortalizada por Escoffier, um sorbet de sucos cítricos e champagne.

Roast
O costume de servir um assado depois do sorbet é típico da era eduardiana – normalmente uma caça.

Roasted Squab on Wilted Cress – Perdiz assada com molho madeira e manjericão, servida num leito de brotos de agrião.
Vinho: Tinto Burgundy.

Salad
 Escoffier introduziu o hábito de se servir saladas depois do assado. As saladas nunca eram servidas junto com outros pratos, principalmente carnes.

Asparagus Salad with Champagne-Saffron Vinaigrette – Salada de aspargos frescos com molho à base de pistilos de açafrão e champagne, servida em pratos especialmente alongados com pinças especiais para os aspargos.

Cold Dish
O cold dish foi hábito inglês, uma nova pausa na refeição, como a do sorbet. Podia também constar de carnes frias ou peru assado frio.

Paté de Foie Gras Celery – Patê de foie marinado no vinho Madeira e servido com aipo.
Vinhos: Sauterne ou Doce do Reno.

Sweets
Aqui poderia haver uma divisão entre cold sweets e hot sweets, que seriam servidos separadamente.

Waldorf Pudding – Recebeu seu nome por causa dos ingredientes que são os mesmos da salada Waldorf, recém-criada por Escoffier para o hotel americano: nozes, passas e maçãs.
Peaches in Chartreuse Jelly – Pêssegos em calda servidos numa gelatina à base do licor Chartreuse. Vale a pena lembrar que nessa época não existia gelatina em pó e a mesma era feita a partir de ossos, sendo portanto um prato muito trabalhoso.
Chocolate Painted Eclairs with French Vanilla Cream – Bombas de creme cobertas por chocolate e acompanhadas de creme de baunilha.
French Vanilla Ice Cream – Sorvete de baunilha.
Vinhos: Moscatel ou Tokay ou Sauternes.

Desserts
Assorted Fresh Fruits and Cheeses – Os queijos a bordo eram Cheshire, Stilton, Gorgonzola, Edam, Camembert, Roquefort, St. Ivel e Cheddar.
Vinhos: Sauternes, Champagne e Espumantes.

After Dinner
Coffee and Cigars – Apenas na primeira classe era servido o café turco, nas outras classes o de coador. O café era servido até ¾ da xícara uma vez que os licores eram colocados diretamente nas xícaras. Os homens fumavam seu primeiro charuto no salão de refeições e depois iam para o Fumoir degustar o segundo charuto e conhaque.
Vinhos: Vinho do Porto e Cordiais (licores).


(Agradeço ao Centro da Cultura Judaica pelas informações para este post.)