15.12.05

Roberto Schwarz

Depois do telejornal


Pela terceira vez explico a manobra legal usada contra os pretos ativistas à velha tia surda que visito em Nova York. Seus olhos cansados postos em mim, também as mãos, são da irmã que envelhece noutro continente. Está aqui desde 42. Fugiu aos nazistas em 39, foi internada em 40 num campo francês, em 41 passou para um quartel em Casablanca, perdeu a mãe em Buchenwald e costurou seis dias por semana, 25 anos, numa fábrica de roupas no Bronx. Sem entender acena ao sobrinho do Brasil -- onde as coisas vão mal -- a cabeça que não pacienta mais com as lutas infindáveis do planeta. -- Sei que você vai dizer que explico fatos sociais como se fossem naturais, e vai pensar que sou uma velha. Mas às vezes acredito nalgum defeito genético do homem. Senão por que este gosto de brigar? É tudo muito, muito triste, e eles enquanto isto, os donos da vida como dizem os outros, os donos dos meios de produção -- a lepra do mundo, me entenda bem! a lepra do mundo -- nos acabam de trabalho, desemprego, guerra ou loucura.

-----

Divagações no cais


Há fuga de capitais
devido às medidas policiais
nesta não acredito mais
onde estais
que não nos achacais
meus sentimentos nacionais
diluem-se mais e mais
estranha essa paz
o que será que preparais

-----

Vejo num globo terrestre
de portaria de hotel
a familiar cara larga
e torta do Brasil
simpática, geografia
não é história




- Em Corações veteranos, 1974.