23.6.04

Sylvia Plath



Aqui estou, um monte de recordações do passado e sonhos futuros reunidos num monte de carne razoavelmente atraente. Lembro-me do que esta carne já passou, sonho com o que passará. Registro aqui a ação dos nervos óticos, das papilas gustativas, da percepção sensorial. E penso: sou apenas uma gota a mais no imenso mar de matéria, definida, com a capacidade de perceber minha existência. Entre os milhões, ao nascer eu também era tudo, potencialmente. Eu também fui cerceada, bloqueada, deformada por meu ambiente, pela manifestação da hereditariedade. Eu também arranjarei um conjunto de crenças, de padrões pelos quais viverei, e no entanto a própria satisfação de encontrá-los será manchada pelo fato de que terei atingido o ápice em matéria de vida superficial, bidimensional -- um conjunto de valores. Esta solidão diminuirá e desvanecerá, sem dúvida, quando amanhã eu mergulhar novamente nos cursos, na necessidade de estudar para os exames. Mas agora este falso objetivo foi suspenso e giro num vácuo temporário. Em casa, descansei e me diverti, aqui onde trabalho a rotina foi momentaneamente suspensa e me perdi. Não há outro ser vivo na terra neste momento além de mim. Poderia percorrer os corredores, por todos os lados os quartos desertos escancarariam as portas para zombarem de mim. Meu Deus, a vida é solidão, apesar de todos os opiáceos, apesar do falso brilho das "festas" alegres sem propósito algum, apesar dos falsos semblantes sorridentes que todos ostentamos. E quando você finalmente encontra uma pessoa com quem sente poder abrir a alma, pára chocada com as palavras pronunciadas -- são tão ásperas, tão feias, tão desprovidas de significado e tão débeis, por terem ficado presas no pequeno quarto escuro dentro da gente durante tanto tempo. Sim, há alegria, realização e companheirismo -- mas a solidão da alma, em sua autoconsciência medonha, é horrível e predominante...


(Sylvia Plath, em seus Diários, 1950.)