4.9.03

Emil Staiger


Ao poeta lírico, propriamente, não importa se um leitor também vibra, se ele discute a verdade de um estado lírico. O poeta lírico é solitário, não se interessa pelo público; cria para si mesmo. Porém tal afirmação exige esclarecimentos. Composições líricas também são publicadas. A colheita de anos e anos é reunida e entregue a um público. Correto. Mas já aqui, num volume de poesias, "o balbucio apaixonado em linguagem escrita apresenta-se deveras estranho", como disse Goethe. E colecionar folhas soltas não parece apenas a Goethe um contra-senso. Quando o livro está pronto, o que é que o povo faz com ele? Pode-se declamar poesias líricas, mas apenas como também se pode ler um drama teatral. Recitado, um poema lírico não pode ser apreciado como merece. Um declamador a recitar, diante de uma sala cheia, poesias exclusivamente líricas transmite quase sempre uma impressão penosa. Mais plausível é um recital para um círculo pequeno, para pessoas a cuja sensibilidade possamos abandonar-nos. Mas um trecho lírico só desabrocha inteiramente na quietude de uma vida solitária. E mesmo este desabrochar não é sorte que seja dada todos os dias ao leitor. Folheamos uma coletânea de canções. Nada nos comove. Os versos nos soam vazios e surpreendemo-nos com o poeta vaidoso que se deu ao trabalho de escrever tais coisas, catalogá-las e entregá-las a seus contemporâneos e à posteridade. Subitamente, porém, numa hora especial, uma estrofe ou toda uma poesia comove-nos. A esta juntam-se outras, e chegamos quase a reconhecer que é um grande poeta que nos fala. É o efeito de uma arte que nem nos retém como a épica, nem excita e causa tensão, como a dramática. O lírico nos é incutido. Para a insinuação ser eficaz o leitor precisa estar indefeso, receptivo. Isso acontece quando sua alma está afinada com a do autor. Portanto, a poesia lírica manifesta-se como arte da solidão, que em estado puro é receptada apenas por pessoas que interiorizam essa solidão.


-- Em "Conceitos Fundamentais da Poética".