24.1.03

-- Eu não acredito em deus -- disse eu. Arlene começara a primeira das muitas margaritas que se seguiriam durante o dia. Fora avisada por seu médico para deixar de tomar tequila de manhã. Ele suplicara a ela que substituísse por um vinho leve, refrescante, bom para o desjejum, como os de Napa Valley. Ele mesmo possuía ações da viticultura. Venderia sua própria marca. "Mas vinho me dá gases", dizia Arlene com firmeza.

-- Ah, tudo é deus. -- Arlene olhou para o tudo a sua volta. Neste caso, tudo representava a treliça de sequóia ao redor da piscina que ela pintara de amarelo, um trecho de céu marrom de poluição, moitas de hibiscos empoeiradas, o passarinho morto que o jardineiro japonês vivia esquecendo de tirar do pequeno jardim de cactos.

-- Ou nada.

-- Isso é metafísico demais. -- Arlene gostava de me lembrar da boa educação que tivera no Meio-oeste. Porém, como era a primeira a confessar, ela esqueceu tudo que aprendeu, junto com as milhões de palavras que fora obrigada a decorar como atriz, cantora e camelô de TV. Quando menina, sempre disse que queria ser veterinária. Porém o mundo do show-business a havia agarrado pela bela garganta. No final dos anos 40 e início dos 50, ela foi quase, mas não chegou a ser, uma estrela de cinema. Agora, na meia-idade do nunca é tarde demais, ela era a camelô mais bem paga da TV, depois de Barbara Walters. Uma celebridade total.

-- Gore Vidal, em "Kalki".